A conversa com Vanessa Romeu, diretora de comunicação corporativa do Lidl, teve lugar a propósito do Mais Ajuda, o programa de inovação social lançado pelo Lidl – e cujas candidaturas terminam amanhã – mas era mais ou menos inevitável falar do percurso que a marca de retalho tem feito. Presente em Portugal há 25 anos, o Lidl passou do “patinho feio” da distribuição a marca que muitos consumidores elegem e com campanhas elogiadas pelo público em geral. Um trajeto que decorreu de uma estratégia de proximidade e de “compra” inteligente e que acabou também por beneficiar, em mercados como o português, de um período de crise económica, na primeira metade da década, em que os consumidores estavam particularmente sensíveis ao preço. Isto, como ressalva Vanessa Romeu, num mercado que é, por natureza, especialmente sensível ao preço independentemente da época, o que significa que a percentagem de vendas em promoções é, em geral, elevadíssima.
Comecemos então por aqui. Como é que o Lidl fez este caminho? “Com muito trabalho”, responde a diretora de comunicação e é difícil imaginar que pudesse ser de outra maneira já que mudar perceções é dos trabalhos mais árduos seja em que setor for. No caso do Lidl, convergiram uma série de fatores, conta-nos Vanessa Romeu: “As nossas lojas foram remodeladas, houve um grande investimento nas condições de trabalho para os nossos colaboradores também, e um grande alinhamento da nossa oferta para ir mais ao encontro do desejo dos clientes portugueses”.
Esta parte do trabalho decorre primeiro longe dos olhares do público mas que é depois ampliada com campanhas de publicidade. Ou, nas palavras da diretora do Lidl, “acaba por ser tudo arrumado com campanhas fortíssimas de publicidade, toda a gente se lembra da alface do Lidl”. As próprias campanhas acabam por se tornar, elas próprias, um factor de diferenciação e, no caso do Lidl, um dos aspetos que tem sido mais evidenciado é a proximidade entre a realidade retratada pela publicidade e a realidade vivida pelos clientes do supermercado.
Claro que há estudos de mercado e equipas de marketing focadas na análise de comportamentos e padrões de compra, mas Vanessa Romeu acha que o principal segredo é outro. “Nós não vendemos gato por lebre, somos muito aquilo que se vê, e numa era com tanta informação e tantos mitos esta autenticidade acaba por falar mais alto para o consumidor”.Para além de ouvir o que os consumidores têm para dizer, acrescenta, "nós próprios internamente somos consumidores e, portanto, temos vindo a analisar o percurso do Lidl e a forma como as categorias têm vindo a ser descobertas”. "Por exemplo, há toda uma geração de universitários que cresceu a comer a lasanha do Lidl, portanto, cria-se aqui uma dimensão emocional com os produtos”.
O trabalho realizado no mercado português enquadra-se na estratégia de uma marca que é, na realidade, global. O Lidl está presente em 32 países, é o quinto retalhista mundial e o primeiro retalhista a nível europeu. “A mudança que foi feita, a nível transversal, foi de passar do conceito de hard discount, que era essencialmente só os básicos e sem grande preocupação com a experiência de loja, para o conceito de smart discount. Nós dizemos muitas vezes que ir ao Lidl é de facto um sinal de inteligência”.
A evolução da marca trouxe-a também, já em 2020, ao lançamento de um programa de inovação social que pela primeira vez endereça IPSS e startups. “Nos últimos cinco anos, o Lidl entregou ao Terceiro Setor mais de três milhões de euros e tem havido muito investimento de recursos humanos, da nossa parte, e em pensar sobre como é que podemos ajudar a cumprir melhor os seus objetivos. Somos uma multinacional alemã muito focada na dimensão da eficiência. O Terceiro Setor não tem folga orçamental para conseguir fazê-lo e, portanto, assumimos que isto seria um investimento da nossa parte para tentar ajudar a progredir. Cereja no topo do bolo foi quando decidimos juntar aqui as startups que tenham impacto social”.
O Mais Ajuda vai assim selecionar um conjunto de 12 projetos apresentados por IPSS e por startups e de cada um destes dois grupos seraão escolhidos seis finalistas que irão apresentar a sua proposta a um júri. Daqui sairão seis projetos vencedores, três startups com impacto social e três IPSS com projetos direcionados a crianças que, além de um prémio monetário de 22.500 euros cada, irão também beneficiar de mentoria com apoio da BETA-i.
Para já, nesta edição, os dois grupos – startups e IPSS – não irão trabalhar projetos conjuntos, mas não é algo posto de parte em edições futuras. “Nesta primeira fase vão ser projetos separados, porque são universos muito distintos e precisamos de perceber até que ponto é que os conseguimos juntar. O que o universo das startups tem de diferenciador são os seus tempos de decisão curta, equipas muito enxutas, um sentido de urgência forte. São muito especializadas e têm uma preocupação com a escalabilidade dos seus projetos. O que queremos é tentar trazer alguns destes princípios para o universo das IPSS, para que consigam também promover a inovação dentro do que é o seu âmbito de trabalho”. As IPSS vencedoras irão também participar num hackathon para ajudar a resolver os seus problemas digitais.
O valor angariado para este programa de inovação social resulta diretamente das compras realizadas pelos clientes da cadeia de supermercado durante o período do Natal. “O Mais Ajuda, na verdade, arrancou em dezembro. Por cada talão Deluxe, que é a nossa gama gourmet que aparece no Natal e na Páscoa, o Lidl anunciou que iria doar 20 cêntimos, e com isso chegámos a um valor muito simpático de 135 mil euros, ao qual acrescentámos mais 15 mil euros”.
O Terceiro Setor é responsável por 5% de emprego e 3,6% do VAB do país – não é coisa pouca. "Se pensarmos, por exemplo, que é responsável pelas respostas da primeira infância, estamos a falar de creches e jardins de infância, percebemos aqui o impacto que tem na nossa vida”, sublinha Vanessa Romeu. A abordagem do Lidl ao universo das startups começa pela inovação social, mas pode ser o primeiro passo com a comunidade de novas empresas, nomeadamente de base tecnológica. “Isto pode ser o primeiro de outros, o modelo de trabalho é o modelo que nos deve inspirar em múltiplas áreas".
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