Nas alegações finais do julgamento do recurso da EDP Produção à coima que lhe foi aplicada, em 2019, pela Autoridade da Concorrência (AdC), a procuradora do Ministério Público (MP) afirmou não ver razão para a suspensão do processo para reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), como admitiu o juiz Sérgio Sousa.
Edite Carvalho afirmou não parecer haver dúvida que impeça uma decisão do Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS, em Santarém), lembrando que ela é passível de recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.
Na condenação proferida pela AdC, a EDP Produção é acusada de ter, durante cinco anos (de 2009 a 2013), manipulado a sua oferta do serviço de telerregulação ou banda de regulação secundária.
Segundo a decisão da AdC, com esta prática, a EDP Produção limitou a oferta de capacidade das suas centrais que beneficiam de compensações públicas ao abrigo do regime CMEC (Custos de Manutenção do Equilíbrio Contratual), reforçando as centrais em regime de mercado, “de modo a ser duplamente beneficiada, em prejuízo dos consumidores”.
A magistrada disse concordar com “a narrativa da decisão” administrativa sobre o comportamento da empresa e salientou que, no julgamento, a EDP “nunca negou restringir a oferta na banda de regulação secundária” (telerregulação), tendo a empresa alegado que a conduta alvo do processo foi justificada e até proconcorrencial.
Nas suas alegações, a AdC e a EDP deixaram à outra parte a responsabilidade do ónus da prova (sobre o real impacto do comportamento em causa), pretendendo a Autoridade que, no caso de reenvio prejudicial para o TJUE, as questões incidam sobre esta matéria.
Para a EDP, a existência de abuso de posição dominante, como concluiu a AdC, implica necessariamente um prejuízo para os consumidores, o que exige “um cálculo real” desse impacto, o qual não consta da decisão.
O MP, contudo, invocou a jurisprudência para considerar que a infração por abuso de posição dominante “prescinde da prova” dos seus efeitos, bastando, no caso, que existiu um controlo da capacidade produtiva em prejuízo dos consumidores, e concluiu pela existência de dolo.
Por seu turno, a AdC alegou que a empresa não apresentou um único documento da época que comprovasse as perdas alegadas nem a sua magnitude, mas apenas simulações feitas após 2014.
A procuradora defendeu que o ónus da prova cabe à visada, devendo a EDP ter demonstrado que os ganhos de eficiência alegados resultaram em benefícios para o consumidor, como defendeu ao longo do julgamento, salientando que nunca foram apresentados documentos que provassem as perdas referidas pela empresa.
A defesa da EDP alegou que a AdC “nunca abriu documentos” juntos pela empresa na fase administrativa, os quais mostravam que a Rede Elétrica Nacional (REN) foi introduzindo alterações ao modelo Valorágua e referiu a existência de atas que provam que a empresa foi levantando questões sobre ineficiências do sistema.
O processo teve origem num estudo da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) que analisou a formação dos preços no mercado de serviços de sistema do setor elétrico nacional, pedindo a ERSE à AdC, em março de 2013, que analisasse e identificasse eventuais práticas que configurassem incumprimentos do quadro legal da concorrência.
Em novembro de 2013, a AdC recomendou ao Governo uma revisão do regime dos CMEC, por entender que implicava riscos de sobrecompensação no auxílio de Estado atribuído à EDP Produção por rescisão antecipada dos Contratos de Aquisição de Energia (CAE), bem como a realização de uma auditoria independente para avaliar riscos de sobrecompensação.
Os CMEC foram criados pelo Governo em 2004, para garantir às centrais de geração de energia elétrica uma remuneração equivalente à que poderiam obter em troca pela rescisão antecipada dos CAE que tinham assinado com a REN.
O juiz Sérgio Sousa marcou a leitura da decisão para o próximo dia 10 de agosto.
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