“Portugal é, de facto, procurado por parte de pessoas que detêm investimentos em criptoativos, sendo esta procura em grande parte fomentada pelo facto de Portugal ser noticiado como um país ‘crypto-friendly’”, afirmam Alexandra Courela e Susana Duarte da Abreu Advogados, em declarações à Lusa.
Porém, acentuam as juristas, “os mesmos meios que identificam Portugal como sendo um país amigo das criptomoedas pecam por não explicar que não existe um regime mais favorável, mas antes uma ausência de regulamentação legal e fiscal”, a qual, alertam, “acarreta necessariamente incerteza”.
A mesma leitura é feita por Susana Estêvão Gonçalves, especialista em direito fiscal da CMS Rui Pena & Arnaut que, em resposta à Lusa, admite que a atual não tributação dos rendimentos de criptomoedas “poderá naturalmente funcionar como um atrativo para novos residentes fiscais em Portugal”.
Mas, lembra, esta situação de não tributação daquele tipo de rendimentos “não resulta de um benefício fiscal ou de uma política fiscal ativa com vista a atrair novos residentes ou investidores em criptomoedas, mas antes de uma lacuna legislativa, que pode ser a qualquer momento colmatada”.
Tal como refere Luís Leon, cofundador da consultora ILYA “Portugal não tem qualquer regra sobre o regime fiscal de criptomoedas”, sendo a ausência de regra na venda de cripto que leva a que não haja tributação em sede de IRS sobre ganhos na venda destes ativos nem se possa deduzir as perdas.
Uma situação que, acrescenta Luís Leon, “é consistente com o regime fiscal da compra e venda de qualquer moeda”, na medida em que não se tributa em sede de IRS sobre ganhos cambiais – da mesma forma que não se deduzem as perdas.
À Lusa, Susana Estêvão Gonçalves refere que tem havido “bastante procura de clientes em temas relacionados com tributação de criptoativos”, ou seja, o interesse tem ido além das criptomoedas, sendo que, em matéria de criptoativos de outras naturezas, o enquadramento fiscal poderá ser distinto.
“Em todo o caso é muito importante deixar claro aos clientes, de forma a evitar frustrações de expectativas, que a inexistência de tributação dos rendimentos de criptomoedas (auferidos fora da atividade profissional ou empresarial) não resulta de uma política fiscal ativa neste sentido, e que é não só possível como expectável que, em breve, estes rendimentos passem a ser tributados”, refere a fiscalista da CMS Rui Pena & Arnaut.
Ainda que também notem um maior interesse por Portugal, Alexandra Courela e Susana Duarte, observam que as pessoas que detêm investimentos em ativos digitais” mais do que um regime fiscal favorável procuram uma jurisdição em que as criptomoedas colham aceitação generalizada e em que os respetivos investidores não sejam vistos com desconfiança, nem com preconceito” o que acontece, por vezes, referem, por “as criptomoedas ainda serem associadas a práticas ilícitas, o que não corresponde à realidade”.
Além disso, assinalam, a atual situação de falta de regulamentação "não pode manter-se por muito mais tempo".
Portugal deve aproveitar para consolidar ambiente ‘crypto-friendly’
De uma forma geral, os rendimentos gerados pela venda ou troca de moeda virtual, quando obtidos por pessoas singulares e fora de uma atividade empresarial ou profissional, não são tributados em sede de IRS já que não existe no Código deste imposto uma norma de incidência objetiva que permita tributá-los.
Em resposta à Lusa, fonte oficial do Ministério das Finanças precisou, com base no entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), que quando a venda de criptomeodas constitui uma atividade empresarial ou profissional do contribuinte, existe lugar a tributação de IRS em sede de categoria B.
Porém, “em sede de Categoria G de IRS (mais-valias), a venda de criptomoedas não é atualmente tributável, considerando que não estão expressamente listadas nas operações consideradas geradoras de mais-valias, uma vez que as criptomoedas não são consideradas um câmbio ou divisa aceite como meio legal de pagamento”.
Ao nível do IVA, refere a mesma fonte oficial do Ministério das Finanças, a venda de criptomoedas “beneficia da mesma isenção de imposto aplicável à venda de divisas, por força de Acórdão do TJUE nesse sentido (Acórdão David Hedqvist de 22 de outubro de 2015 - C 264/14)”.
Para as juristas especialistas em direito fiscal da Abreu Advogados, Alexandra Courela e Susana Duarte, “é inegável que, não obstante todas as incertezas geradas pela falta de regulamentação legal e fiscal, Portugal continua a atrair muitos investidores em criptomoedas e outros ativos digitais”, ainda que considerem que “esta situação de falta de regulamentação não pode manter-se por muito mais tempo”.
Neste contexto, afirmam, o legislador “tem a oportunidade” de posicionar Portugal à frente de outros países, “aproveitando e consolidando o ambiente ‘crypto-friendly’ que já existe hoje, fruto também de iniciativas, como a Web Summit e da criação de diversos ‘tech hubs’ pelo país”.
“É importante que o legislador esteja ciente que um regime que seja fortemente penalizador das criptomoedas e de outros ativos digitais pode ter como efeito a procura de outras jurisdições, com a consequente reversão do investimento feito no digital em Portugal”, referiram à Lusa, lembrando que a tecnologia da blockchain subjacente [às criptomoedas] vai muito além daquelas e tem inúmeras aplicações práticas.
Susana Estêvão Gonçalves, associada coordenadora de Direito Fiscal da CMS Rui Pena & Arnaut, refere, por seu lado, que, “em matéria de IRS, vigora um princípio de tipicidade, nos termos do qual apenas são tributados os factos tributários especificamente previstos (tipificados) no Código do IRS”.
Assim, ao contrário do que sucede com as mais-valias geradas pela venda de valores mobiliários (como ações, por exemplo) que estão integrados no elenco da definição de mais-valias previsto no Código do IRS, “os rendimentos da venda ou troca de criptomoedas não encontram enquadramento nem nesse elenco (categoria G) nem na definição de rendimentos de capital (categoria E)”.
A jurista sublinha, contudo, que esta inexistência de tributação dos rendimentos de criptomoedas, “não resulta de uma política fiscal ativa neste sentido, e que é não só possível como expectável que, em breve, estes rendimentos passem a ser tributados”.
Já Luís Leon, cofundador da consultora ILYA, chama a atenção para outros desafios que a nova realidade coloca e que não estão resolvidos. Ainda que concorde que a mineração possa ser considerada uma atividade – através da qual se obtém rendimento com as moedas virtuais - não existem propriamente clientes e a remuneração é auferida em ‘tokens’ através da rede (que não é um entidade jurídica).
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