"O Estado tem a possibilidade de colocar mais dinheiro se assim o entender. Não é uma obrigação, muito menos uma decisão tomada 'ex-ante' [antes da ocorrência do facto]", disse Sérgio Monteiro na sua audição na Comissão Eventual de Inquérito Parlamentar às perdas registadas pelo Novo Banco e imputadas ao Fundo de Resolução.
Respondendo ao deputado Alberto Fonseca (PSD), o antigo consultor do BdP disse que a cláusula de 'backstop' [salvaguarda] foi introduzida num contexto em que a Comissão Europeia "não acreditava na viabilidade do banco e considerava que o mesmo devia ser liquidado".
Segundo Sérgio Monteiro, Bruxelas também "não acreditava na viabilidade do plano de negócios da Lone Star [acionista] para o banco".
"Na prática, a Comissão Europeia considerava que as perdas, as imparidades, iam ser muito superiores às imparidades que estavam previstas" em qualquer um dos cenários apresentados.
Bruxelas também "considerava que a margem financeira que a Lone Star esperava poder gerar enquanto acionista maioritário, portanto, que o Novo Banco gerasse, iria ser significativamente inferior por pressão dos próprios bancos concorrentes".
Assim, os 1.000 milhões de euros injetados pelo acionista no Novo Banco aquando da sua compra, os 500 milhões "que depois acabaram por ser 422" do exercício de gestão voluntária de passivos e os 3.900 milhões de capital contingente não seriam suficientes "para viabilizar o banco".
Segundo Sérgio Monteiro, como a venda tinha de ser feita em 2017 para evitar a aplicação de uma nova diretiva europeia (BRR2) que implicava uma nova resolução do banco, "eles entendiam que tinham de tomar uma decisão de mais largo espectro para garantir que se o cenário que eles acreditaram se concretizasse", caso fosse necessário haver mais dinheiro e os privados não estivessem disponíveis, "o Estado estava desde logo autorizado a fazê-lo".
No entanto, o deputado do PSD Alberto Fonseca citou documentos referindo que "o Governo comprometeu-se com Bruxelas que o Estado iria meter mais dinheiro no Novo Banco".
O parlamentar social-democrata referiu também que "a alternativa a isso, no limite, poderia ser a liquidação" caso não haja essa injeção em caso de necessidade", algo a que Sérgio Monteiro anuiu.
"Pode não ser uma obrigação formal, mas a bem da estabilidade do sistema financeiro pode ser uma obrigação que o Estado tenha que assegurar", disse Alberto Fonseca.
"Por isso eu fiz essa pequena correção. Não é uma obrigação de facto, o Estado não está obrigado. Em querendo, não havendo alternativa e querendo evitar uma liquidação, pode fazê-lo. Mas não é uma obrigação", explicitou Sérgio Monteiro.
Expectativa de chamadas de capital ia até cerca de 1.500 milhões de euros
“Os cenários de previsão de utilização do CCA iam do zero ao extremo. Era sempre possível admitir, mesmo com probabilidade baixa, que todo o mecanismo de capital contingente fosse utilizado. A expectativa central naquela altura era que as perdas dos ativos que faziam parte do mecanismo de capital contingente fossem um pouco superiores a 1.500 milhões de euros de perda”, admitiu, após ter sido questionado pela deputada do BE Mariana Mortágua sobre qual era a previsão de uso do Acordo de Capital Contingente (CCA) aquando das negociações para a venda do banco.
De acordo com Sérgio Monteiro, “se tudo corresse mal do ponto de vista de capital, essa era a utilização máxima porque mesmo que houvesse muitas necessidades de capital, se não houvesse perdas nos ativos do mecanismo, nunca poderia ser chamado mais do que esse valor”.
“Não era expectável, mesmo com perdas de um pouco mais de 1.500 milhões de euros, que a totalidade fosse utilizada”, assegurou
Questionado pela deputada do BE sobre se lhe foram dadas instruções para que a venda não tivesse impacto orçamental no momento em que ocorreu, o consultor referiu que “a orientação geral” no início do processo era que se tentasse, “na medida do possível, que não tivesse impacto orçamental nem quando a venda ocorreu, nem mais tarde”.
“Não é o processo de venda que origina perdas. O processo de venda descobre problemas no balanço que ficam evidentes com as propostas que são recebidas. As perdas tinham origem em decisões anteriores até à criação do Novo Banco”, assegurou.
O consultor foi ainda confrontado pela deputada Mariana Mortágua sobre as declarações do primeiro-ministro, António Costa, no momento da venda do banco, que disse que esta alienação não teria “impacto direto ou indireto nas contas públicas”, e questionado sobre se o “Governo estava ciente e consciente que este mecanismo teria um impacto nas contas públicas”.
“Que o mecanismo uma vez utilizado tinha impacto nas contas públicas, julgo que sim, era obviamente consciência de todos que poderia ter impacto no ano em que fosse utilizado”, admitiu, deixando claro que este mecanismo “era muito melhor do que uma garantia” e que foi “considerado muito positivamente pelas autoridades estatísticas e europeias”.
Ganho negocial de nomeação de administradores foi travado por Bruxelas
Na audição, o consultor admitiu que “havia o risco de ser adotado um conjunto de decisões que eram contrárias ao interesse do Fundo de Resolução” e, portanto, procurou-se acautelar essa situação com a nomeação de administradores não executivos para áreas-chave.
“Essa nomeação não aconteceu por decisão/requisito da Comissão Europeia, nomeadamente a Direção Geral da Concorrência que se opôs liminarmente à existência de administradores por parte do Fundo de Resolução dizendo, na prática, que eles exerceriam uma magistratura de influência para que, por ventura, perdas não fossem reconhecidas, no sentido de minimizar a probabilidade de utilizar o mecanismo de capital contingente”, respondeu à deputada do BE Mariana Mortágua.
Confrontado com a pergunta da bloquista se por não haver esses administradores, a posição do Fundo de Resolução tinha ficado enfraquecida, Sérgio Monteiro anuiu.
“Exatamente. Sim. Conseguimos um ganho negocial que não foi simples, porque a Lone Star pretendia nomear a totalidade do Conselho de Administração. Tivemos um ganho negocial que foi rapidamente eliminado pelo motivo que acabei de dizer”, admitiu.
Em setembro de 2020, na Comissão de Orçamento e Finanças, o presidente do Fundo de Resolução disse que gostava que a entidade tivesse administradores no Novo Banco, mas que a Comissão Europeia não aceitou para que o banco deixasse de ser de transição.
“[Os poderes do Fundo de Resolução] são os que emergem do contrato. Gostaria que estivesse representado, o sucedâneo para isso foi a comissão de acompanhamento, mas - baseando-me num anúncio – não é a mesma coisa”, afirmou então Máximo dos Santos.
Segundo o também vice-governador do Banco de Portugal, as instituições europeias entenderam que para que o Novo Banco “saísse do estatuto de banco de transição tinha de afastar o lado público do banco da sua gestão”.
BdP preocupou-se com Aethel em 2017 por potencial ligação ao BES
Questionado pelo deputado do PCP Duarte Alves se o interesse da Aethel - empresa cujo fundador, Ricardo Santos Silva, tinha vindo do BES Investimento - poderia estar ligado à família Espírito Santo e gerar uma entrada indireta desta no Novo Banco, Sérgio Monteiro confirmou que o supervisor estava preocupado com essa situação.
"Sei que houve essa preocupação e posso confirmá-la", disse hoje no parlamento Sérgio Monteiro.
O também antigo secretário de Estado das Infraestruturas, Transportes e Comunicações do Governo de Passos Coelho (PSD/CDS-PP) confirmou que "o departamento jurídico do Banco de Portugal, que segue com muita atenção essas matérias, fez diligências e verificação para saber os beneficiários últimos, a origem de fundos e se eventualmente poderia haver problemas".
Catalogando a abordagem da Aethel como uma "iniciativa" e não "uma proposta", o antigo consultor do Banco de Portugal disse que a mesma não progrediu porque "era mais um pedido de mandato para fazer gestão de ativos e passivos com os credores, na altura, do Novo Banco" do que uma ideia de compra.
No final da audição de hoje, ao responder à terceira ronda de perguntas, Sérgio Monteiro esclareceu que "não disse que o responsável da Aethel era da família ou que o negócio era para ser feito para a família" Espírito Santo.
"Não estava sequer em posição de o fazer. Disse apenas que havia uma grande preocupação por parte do Banco de Portugal para que não houvesse direta, indireta ou sequer remotamente qualquer proximidade a acionistas anteriores, nomeadamente a família", afirmou acerca da sondagem da empresa do setor mineiro sediada em Londres.
Em 2017, numa audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA), Sérgio Monteiro tinha desvalorizado as acusações da Aethel Partners que reivindicava ter apresentado uma oferta melhor do que a Lone Star, dizendo que o grupo britânico não apresentou qualquer proposta.
"Sobre o candidato que disse ter uma proposta melhor do que a Lone Star, a isso nem sequer podemos chamar proposta", afirmou Sérgio Monteiro, durante a sua audição na Comissão de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa (COFMA) em 23 de maio de 2017.
E salientou: "Entrou em contacto connosco em janeiro. Foi-lhe explicado que tinha que se juntar a outro concorrente ou [só poderia participar] se o processo não tivesse um desfecho positivo".
Isto, porque nessa altura já havia um longo caminho percorrido na operação de venda do Novo Banco, que contou com cinco interessados (quatro na venda estratégica e um na venda em mercado), além de já estarem em curso as negociações exclusivas com a Lone Star.
Na altura, foi noticiado que a Aethel Partners oferecia quase quatro mil milhões de euros pelo Novo Banco, tendo a sociedade britânica avançado mesmo com um processo judicial para travar a venda do banco de transição à norte-americana Lone Star.
Em 05 novembro de 2019, a Direção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) autorizou o “controlo da mina” de ferro de Torre de Moncorvo, Bragança, pela Aethel Mining, revelou a empresa.
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