O grau de preocupação com o agravamento da situação até final do ano, a ponto de causar uma “explosão social”, é diferente conforme os partidos, à esquerda e à direita, mas todos colocam o cenário de um outono ou inverno com mais problemas.

Os mais otimistas são o PS, partido do Governo, e o CDS-PP, embora com argumentos diferentes.

O facto de Portugal ter passado por uma outra crise recentemente, afirmou João Almeida, deputado do CDS, “permite maior eficácia neste momento, não agravando tanto a situação social, pelo menos num primeiro momento”, com a ajuda da União Europeia.

“Do ponto de vista europeu, há uma disponibilidade de fundos para que se consiga responder, evitando essa explosão social, que seria uma possibilidade neste contexto se não houvesse esse enquadramento”, acrescentou.

Pelo PSD, o economista Jorge Bravo, do Conselho Estratégico Nacional (CEN), disse que “há preocupações sérias sobre o que pode acontecer com o fim das medidas de apoio temporárias”, como as moratórias dos bancos, ou o ‘lay off’, no final do ano, se forem cortadas de “forma abrupta”.

E, por isso, aconselha ao Banco de Portugal e Banco Central Europeu um “mecanismo de desligamento suave destas medidas”, pela dificuldade de pessoas e empresas retomarem os seus compromissos bancários de um momento para o outro.

Ana Catarina Mendes, líder parlamentar do PS, prefere um “olhar positivo”, defendendo o “Estado social ao serviço das pessoas” na “procura de respostas” se as moratórias bancárias acabarem ou se “houver um aumento significativo de insolvências”.

Pelo PCP, o deputado Duarte Alves é comedido, admitiu um agravamento da situação “se não forem tomadas medidas”, mas espera que o sejam, com “reforço da proteção social dos trabalhadores, dos salários, do emprego e com mais investimento” público, “porque impulsiona o investimento privado”.

José Luís Ferreira, dos Verdes, afirmou que este é “um problema sério e o risco evidente” de uma “explosão social”, para o qual são necessárias “respostas imediatas”, estendendo as moratórias, impedir os despedimentos em empresas que receberam apoios do Estado.

Pouco descansado está o BE e o deputado José Soeiro confessou que “o que está colocado em cima da mesa” não “permite ficar descansado a achar que essa resposta vai existir” para evitar o agravamento do cenário de problemas.

“Mas também estamos no início dessa discussão. Portanto, depende um pouco da evolução quer da pandemia quer das políticas públicas”, disse.

Também João Cotrim Figueiredo, da Iniciativa Liberal (IL), reconhece o risco de agravamento dos problemas sociais no país, “especialmente se o sistema financeiro não tiver a capacidade de programar a tempo a forma como gere as moratórias”.

Do partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), a líder parlamentar, Inês de Sousa Real, responde com “evidentemente que sim” sobre um cenário mais drástico a nível social, e advertiu que depois da “anestesia” das moratórias e da paragem da economia pessoas e empresas terão dificuldades em pagar.

“Podemos estar aqui perante um escalar de uma situação que se torne ingovernável”, disse, insistindo numa “reflexão em torno do ordenado mínimo médio nacional e também de outros mecanismos que possam ajudar” as pessoas a terem “rendimentos básicos condignos”.

Partidos preocupados, mas divergem na “receita” contra pobreza

À esquerda e à direita, a oposição parlamentar tem um olhar crítico sobre o que o Governo de António Costa está a fazer, ou fez no último ano, para combater a crise e a pobreza, ataca os atrasos com que os apoios chegaram às famílias e às empresas. O PS, partido do poder, é o único a olhar para a resposta como um “copo meio cheio”.

Todos reconhecem, embora com um tom de discurso diferente, que o problema das desigualdades sociais existia antes da pandemia, há um ano, agravou-se com ela, e recordam as estatísticas, de 2019, com 17,2% da população abaixo do limiar de pobreza em Portugal. Cada um tem a sua “receita” para fazer face à crise social e económica causada pela pandemia de covid-19, que paralisou parcialmente o país no último ano.

José Soeiro, do Bloco de Esquerda (BE), admite que “tem havido medidas sociais de emergência”, mas que “são claramente insuficientes”.

“A grande tragédia é nos trabalhadores informais, precários de recibos verdes que não têm acesso a subsídios de desemprego e que foram empurrados para apoios que têm valores muito baixos. São os sócios-gerentes ou pequenos empresários, ‘emprecários’, empresas-pessoa” e sem “acesso aos mecanismos de proteção social”, disse.

Medidas que se impõem no combate à pobreza, a par da política económica, no imediato, são três, defendeu.

A “prorrogação de todos os subsídios de desemprego e subsídios sociais de desemprego até o final do ano”, porque “não faz sentido haver desempregados que a meio de uma crise” fiquem sem esse apoio, e, em segundo, um aumento do Complemento Solidário para os Idosos (CSI), do Rendimento Social de Inserção, do subsídio social de desemprego, do subsídio de apoio aos cuidadores para mínimo do valor do “limiar da pobreza”, atualmente 502 euros.

Em terceiro lugar, criar um “rendimento social de cidadania que permitisse cobrir todos aqueles setores que hoje não cabem no subsídio de desemprego” para “abranger todos aqueles que hoje ficam de fora, seja por não terem essa relação mais formalizada com emprego, seja por não caberem nas medidas do tipo RSI”.

Ainda à esquerda, Duarte Alves, deputado do PCP, admitiu que as medidas são insuficientes e sublinhou “particular importância” a valorização dos salários em particular o salário mínimo nacional, mas também em todos os níveis salariais e o próprio acesso ao emprego”, no combate à pobreza.

Além de ser preciso “ir mais longe”, realçou algumas “medidas importantes” do Orçamento do Estado de 2021, que tiveram o apoio do PCP, e é preciso garantir, “desde logo o prolongamento do subsídio de desemprego por mais seis meses” ou “ainda nova prestação social para as pessoas que não têm acesso a qualquer outro tipo de apoios”.

Alinhado neste argumento, José Luís Ferreira, deputado do Partido Ecologista “Os Verdes”, também sublinhou a necessidade de valorizar os salários para travar os riscos de pobreza, e de “mexer no apoiar.pt” para que o programa “chegue a tempo às micro, pequenas e médias empresas” para “poderem sobreviver”.

“Se encerrarem são postos de trabalho que se perdem”, disse, e os apoios “precisam de continuar além deste período pandémico” porque senão estas micro, pequenas e médias empresas (MPME) “não sobrevivem”.

O PS, partido do Governo, faz um discurso diferente e mais pela positiva. Ana Catarina Mendes, líder parlamentar socialista, elogia o executivo que “não deixou de dar resposta a todas as solicitações que lhe foram pedidas” desde o início da crise.

“Entre moratórias e empréstimos ou dinheiro a fundo perdido, estamos a falar num montante de 29 mil milhões de euros a que se somam os sete mil milhões” anunciados há uma semana, argumentou.

Além do alargamento do subsídio de desemprego, citou ainda outras decisões para “estancar a perda de rendimentos”, como a “medida mais emblemática”, o “’lay off’ simplificado, primeiro a 66% e depois a 100%, de forma a que não fossem perdidos empregos”.

E o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), sintetizou, “é um instrumento que dará os meios necessários” para se “combater algumas destas debilidades, desde logo a pobreza e a exclusão social”, mas também o desafio das qualificações, em tempos de transição digital e climática.

Inês de Sousa Real, líder parlamentar do PAN, afirmou que a crise sanitária, “a que sucedeu uma crise socioeconómica sem precedentes, veio pôr a nu” as “desigualdades sociais que têm persistido” e “não têm sido combatidas de forma mais eficaz”.

E sugeriu que se aproveite este momento e o PRR, para “redesenhar” a aposta “noutros modelos de produção em Portugal” e na “chamada economia verde” ou valorizar “uma indústria mais sustentável e mais renovável e não tão devastadora dos recursos”.

À direita, as críticas são idênticas, mas a ênfase é diferente.

Pelo PSD, o economista Jorge Bravo, do Conselho Estratégico Nacional (CEN), apontou os atrasos na chegada dos apoios e sublinhou que a crise “criou um novo grupo muito numeroso de potenciais pobres ou pessoas com carências imediatas, carências na pobreza alimentar até às carências de rendimento para as despesas mais correntes”.

E apresentou duas ideias de resposta a esta situação, como a reativação da rede solidária de cantinas sociais, “implementado durante o período da troika” e ainda a utilização do fundo do socorro social, para auxiliar “situações de emergência, contingência ou calamidade” e “dar uma resposta mais imediata às atividades de cariz social em articulação com as instituições privadas de solidariedade social.

Pelo CDS-PP, que, através de João Almeida, criticou os atrasos nas ajudas mais imediatas nos últimos meses e apontou o dedo às opções do PRR, que privilegia o investimento público e menos.

“Ao não apoiar as empresas, a reconversão profissional dos recursos humanos” correm-se “sérios riscos de ficar para trás” e “um país que não tem uma economia forte também não tem condições para depois ter uma resposta social suficientemente musculada” na resposta a problemas sociais, argumentou.

A Iniciativa Liberal (IL) é muito crítico com as medidas tomadas até ao momento e o deputado João Cotrim Figueiredo afirmou que “não vão à raiz do problema” porque “há décadas” não tem “um modelo de organização que permita crescer o suficiente para acabar com essas bolsas de pobreza”.

Esses problemas, afirmou, “só podem ser atacados se houver uma economia dinâmica e se houver emprego de qualidade”, pelo que o PRR teria de ser virado “muito mais para a capitalização das empresas porque são elas que podem criar bom emprego para todos aqueles que estão necessitados de rendimento”.

Novo imposto contra pobreza não, taxa Tobin talvez, mas só à esquerda

Do Bloco de Esquerda (BE) à Iniciativa Liberal (IL), os partidos, ouvidos pela Lusa, têm soluções muito diferentes para financiar o que é preciso para responder à crise e aos problemas da pobreza, que todos admitem poder virem a agravar-se.

À direita, rejeitam-se novos impostos, sejam solidários, temporários ou até a reedição do debate sobre a taxa Tobin, sobre transações financeiras especulativas.

Pela IL, João Cotrim Figueiredo afirmou que a criação de um novo imposto temporário ou solidário, para “financiar algo” é “uma visão de curto prazo” por limitar “a capacidade de investimento e de crescimento, que é mais necessária” ao país.

“Temos, de uma vez por todas, perceber que o estímulo dado à capacidade de investimento das pessoas e das empresas através do sistema fiscal tem que estar orientado para o crescimento e a capacidade de correr riscos”, que devem ser “incentivados e não desvalorizados”, acrescentou.

No CDS-PP, o deputado João Almeida também é contra novos impostos ou da taxa Tobin.

“Nem um nem outro. Entendemos que a sustentabilidade destas propostas sociais que fazemos virá não de uma maximização do Orçamento de Estado, mas de um crescimento maior da economia”, disse.

O economista Jorge Bravo, do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD, não concorda com mais impostos ou taxas, mas admite que a solução seja mexer na “política fiscal”.

A “solução mais adequada é a fiscalidade geral”, olhar para a “matriz de impostos” que já hoje existem e, “eventualmente, atualizando temporariamente alguns impostos para fazer face algumas necessidades imediatas”, afirmou.

“Será a retoma da atividade económica que será capaz de criar riqueza” para “reequilibrar os orçamentos do Estado e financiar aquilo que é o acumular de dívida e também, no fundo, estes programas de programas sociais”, disse.

À esquerda, o PS recusa a “receita” da anterior crise, com “cortes de rendimentos, aumento de impostos, desemprego e convites à emigração”, e diz ser “um absurdo” criar um novo imposto “com um nome muito bonito”, solidário, quando “cerca de 46% dos portugueses não têm salário que permita pagar impostos”.

Ana Catarina Mendes, líder parlamentar socialista, afirmou que “um dos caminhos” é a valorização dos salários e “a revisão dos escalões do IRS” e retomar o debate da taxa sobre as transações bancárias, a taxa Tobin, e pelo “combate à fraude e evasão fiscal”, cujas receitas sejam “fonte de financiamento para os PRR de hoje, mas sobretudo para uma sustentabilidade financeira da União Europeia nos próximos anos”.

Pelo BE, José Soeiro, deputado, afirmou que “uma coisa é taxar o capital, as transações financeiras ou os lucros”, mas “outra coisa é um novo imposto sobre os rendimentos do trabalho que é completamente descabido e aumentaria as desigualdades”.

Voltar a discutir a taxa Tobin sim, mas o deputado do PCP Duarte Alves recusa um novo imposto, apelidado imposto sobre a “burguesia do teletrabalho”, porque se trata de taxar trabalhadores que também sofrem com a crise, e aponta alternativas.

A criação de uma contribuição extraordinária sobre as grandes seguradoras, “setor que saiu beneficiado com a pandemia”, tributar “os grandes grupos económicos” que “hoje estão isentos ou têm uma taxa de esforço fiscal muito inferior à da generalidade dos trabalhadores e das pequenas empresas”.

Os Verdes alinham na mesma linha de argumentação a favor da taxa Tobin, contra a ideia de “por remediados a resolver os problemas da pobreza” com um novo imposto e o deputado José Luís Ferreira deixou a alternativa de “quem acumulou à custa da pandemia é que deve ser chamado a pagar a crise.”

O que é preciso, afirmou, é “impedir que as empresas que produzem os lucros em Portugal coloquem os lucros na Holanda ou noutro sítio qualquer onde vai não pagar impostos”.

Pelo partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN), a líder parlamentar, Inês Sousa Real, disse que os problemas “não se resolvem com mais austeridade” e insistiu numa “revisão nos escalões de IRS” para “uma maior justiça fiscal sobre as famílias e também o mundo empresarial”.

Sem se excluir do debate sobre uma taxa sobre as transações bancárias, a deputada do PAN alertou que devem ser repensados os “apoios fiscais à indústria do petróleo”, de mais 500 milhões de euros dos contribuintes, que podiam ter sido utilizados em políticas sociais.

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