Aos artistas, a certos artistas, desculpem a correcção, os pedidos de borlas são uma quase banalidade. O discurso é invariavelmente o mesmo: “Não temos dinheiro para estas coisas, mas gostávamos muito…”. Ou então: “O nosso orçamento não permite, mas pagamos as portagens”. Ou, ainda, outra possibilidade é esta: “Temos pouco dinheiro, são 250 euros, é o que há”. Passamos o recibo verde e sobra quanto? Pois.

Com os escritores, acresce que é preciso preparar as intervenções ou os textos. Escrever implica pensar, pensar implica tempo, trabalho implica tempo. E não estamos a dignificar o tempo que dedicamos às coisas. Nem o pensamento. Esta semana, disseram-me: “Mas tu escreves isso num instante, são só cinco mil caracteres”. Prefiro cantar o Ó Malhão, Malhão, pode ser? Prefiro não me deslocar para fazer má figura junto do público, em pequeno ou grande número. Prefiro que me peçam coisas com tempo e com respeito pelo meu trabalho.

Assim, serve a presente crónica para informar que as borlas acabaram no meu pântano, lamento, mas já não farei nada sem retorno financeiro. Nenhuma biblioteca, escola, livraria, evento, congresso, conferência, seja lá o que for.

As razões para tal são comezinhas, decerto que compreenderão. Podemos resumi-las assim: conta da luz, conta da electricidade, conta do seguro de saúde, do seguro da casa, do seguro do carro, conta do supermercado, conta da farmácia e mais não sei quantas que surgem quando menos as esperamos (avaria do carro, por exemplo, eis um grande clássico).

Esta minha opção deveria ser a de muitos escritores e artistas que conheço e a quem já ouvi queixas e críticas. Juntos podemos obrigar a dignificar o que fazemos.