A Síria está a precipitar-se no desconhecido que pode envolver uma vasta faixa do Médio Oriente entre o Irão e o Mediterrâneo. Rompem-se ainda mais os equilíbrios que a guerra israelita em Gaza e no Líbano depois da barbárie cometida pelo Hamas há 14 meses tem estilhaçado.

A ditadura síria de Bachar al-Assad, cuja família estava no poder há seis décadas, ficou na última semana presa por um fio, incapaz de resistir à súbita avançada de uma amálgama de forças rebeldes encabeçada por antigos jiadistas sunitas da Al-Qaeda e filiais, agora aglutinados numa menos inapresentável roupagem islâmico-nacionalista sunita.

Em apenas uma semana os rebeldes tomaram o controlo da estratégica e também mártir cidade de Aleppo (tinha uns cinco milhões de pessoas quando, em 2011, a guerra civil começou e atirou muita gente para o êxodo) e dali avançaram pela autoestrada M5 e por estadas paralelas à orla mediterrânica em direção a Damasco. É uma distância de 350 quilómetros. No caminho há duas cidades principais, Hama e Homs. Hama, a um terço deste percurso, foi tomada sem resistência. Em Homs, a 160 quilómetros de Damasco, a tomada da cidade foi fulminante e ainda mais surpreendente, na madrugada deste domingo,  a conquista de Damasco.

Desta vez, o Irão não teve a Hezbolah armada para socorrer Assad e a Rússia também mostra que não está preparada para se empenhar a fundo na proteção do regime que estava no poder em Damasco. É facto que os russos têm duas bases aeronavais na região, em Latakia (base russa principal no Mediterrâneo) e Tartus, lançaram mísseis e bombardeamentos sobre os rebeldes, mas em operações esporádicas que não bastaram para travar o avanço em direção a Damasco, porque o contingente russo está transferido para a guerra na Ucrânia.

O Irão ainda tentou mobilizar grupos armados xiitas iraquianos para socorrer Assad, mas o movimento foi barrado por forças curdas com apoio americano.

A surpreendente ofensiva da coligação sunita forjada pelo antigo líder da Al-Qaeda, Abu Mohammad al-Jolani, expôs a fragilidade de um regime que durante anos confiou a sua defesa a milícias da Hezbollah, a outros grupos xiitas também pró-iranianos e ao exército russo. Os bombardeamentos israelitas e o conflito ucraniano deixaram Assad apenas dependente de um exército governamental inepto e desmotivado, comandado por gente hábil em conspirações e tráficos, mas que, desamparada, se revela sem poderio e estratégia para resistência militar.

Há muita incerteza sobre o que pode acontecer depois da queda da dinastia Assad, fundada com um golpe de estado em 1963 pelo astuto Hafez, pai do atual presidente.

A crise atual envolve, para além da Turquia, a Rússia, o Irão, os EUA e as monarquias do Golfo, também Israel parte muito interessada na movimentação em curso.

A Turquia, com as ambiguidades de Erdogan, abençoa a ofensiva rebelde na Síria, porque conta com ela empurrar muitos dos mais de quatro milhões de refugiados sírios para o regresso à pátria. Erdogan também pretende afastar os curdos do território curdo na Síria. Os curdos contam com proteção militar americana.

Síria: a queda de Damasco
Síria: a queda de Damasco Syrians return to Damascus via Lebanon's Masnaa border crossing east of Beirut on December 8, 2024, following the fall of the Syrian capital to anti-government fighters. Islamist-led rebels took Damascus on December 8 after a lightning offensive, sending President Bashar al-Assad fleeing and ending five decades of Baath party rule in Syria. (Photo by Hassan JARRAH / AFP) créditos: AFP or licensors

Sabe-se que o russo Putin e o turco Erdogan têm negociado a evolução deste episódio, iniciado há 10 dias, da grande crise síria.

Há o risco de a Síria ficar estilhaçada em feudos tribais com muito fundamentalismo religioso e os muitos ódios acumulados desde o início há 13 anos da guerra civil síria, na sequência da chamada Primavera Árabe. É uma guerra que pareceu ter ficado adormecida na última meia dúzia de anos depois de uma coligação internacional ter derrotado o terrorismo do ISIS que autoproclamou em terra síria o que chamou de estado islâmico. Agora, estão outra vez todos contra vários adversários e as forças rebeldes, com satisfação do turco Erdogan, entraram sem resistência  em Damasco de onde Assad desertou a tempo para salvar a vida.

Israel, assiste, com Netanyahu a imaginar o redesenho do mapa geopolítico do Médio Oriente no tempo de Trump.