Este texto faz parte da rubrica Regresso a um Mundo Novo, em parceria com a plataforma 100 Oportunidades, em que vários jovens nos ajudam a pensar o mundo pós-pandemia.
A extensão do impacto da pandemia covid-19 no emprego em Portugal ainda está por apurar, com os últimos números do Instituto Nacional de Estatística a referirem-se ao primeiro trimestre de 2020, onde os efeitos da declaração de estado de emergência e medidas associadas, implementados em meados de março, são diluídos nos resultados dos primeiros meses do ano. No entanto, o Banco de Portugal estima que na sequência da pandemia, a taxa de desemprego aumente para 10,1% em 2020, reduzindo-se muito gradualmente ao longo de 2021-22. Esta pandemia está a expor as nossas fragilidades na área da empregabilidade e a reacender temas como o trabalho precário, a dependência do setor do turismo, a disparidade salarial e a falta de opções de requalificação.
Os títulos de impacto social (TIS) na área da empregabilidade são uma ferramenta promissora para o setor público e as organizações sociais colaborarem na resposta a estes desafios.
Os títulos de impacto social são contratos de prestação de serviços sociais com base em resultados, onde um ou mais investidores sociais cobrem os custos da intervenção e assumem o risco se os resultados não forem cumpridos. É o setor público que determina o resultado que quer atingir, por exemplo, a entrada no mercado de trabalho de desempregados de longa duração. A organização social implementa a intervenção e se o resultado for cumprido, o setor público paga aos investidores sociais pelo custo do projeto (sem retorno, no caso de Portugal).
Um TIS inverte o modelo prevalente de pagamento por atividades (pagamento por hora de formação, por formando, por programa, etc.), que é regra na contratualização deste tipo de respostas sociais. Um TIS:
- Força o setor público a definir de forma concreta e consequente o resultado que quer atingir.
- Alinha os incentivos das organizações sociais e dos investidores sociais com o objetivo do setor público e dos beneficiários.
- Dá flexibilidade às organizações sociais para inovarem, adaptarem a sua intervenção e incorporarem aprendizagens em tempo real (porque não se comprometeram com determinado currículo ou atividade).
- Incentiva a gestão de desempenho e obriga à criação de uma estrutura de monitorização e avaliação.
- Permite ao setor publico testar inovação em respostas sociais sem risco financeiro.
Acima de tudo, um TIS força todos os envolvidos a confrontar a real eficácia da intervenção.
Já foram lançados 13 títulos de impacto social em Portugal, dois dos quais em empregabilidade.
TIS Academia de Código
Os Bootcamps da Academia de Código requalificam pessoas em situação de desemprego, através de formação em programação informática. De acordo com a OneValue, um desempregado a receber subsídio de desemprego representa um custo direto mensal para a Segurança Social de cerca de 511 Euros. Simultaneamente, estima-se que em 2020 a Europa tenha uma escassez de cerca de 900.000 profissionais na área das Tecnologias da informação e comunicação (TIC), dos quais 15.000 em Portugal. A intervenção Bootcamps Academia de Código foca-se neste desalinhamento entre a procura e a oferta, permitindo aos seus alunos mudar radicalmente as suas trajetórias profissionais.
O TIS Bootcamps Academia de Código foi lançado em janeiro de 2017 e está a ser implementado na região do Fundão. O projeto trabalha com mais de 170 desempregados, divididos em 9 Bootcamps. O resultado contratualizado é a entrada no mercado de trabalho até três meses após o fim do programa. Até à data, foi verificado o cumprimento do resultado para os cinco primeiros Bootcamps.
TIS Faz-Te Forward
O TIS Faz-Te Forward, implementado no Porto pela TESE, promove a entrada no mercado de trabalho de jovens NEET ou em risco de se tornarem NEET (acrónimo para Not in Education, Employment, or Training, em português: jovens que não se encontram empregados, em treino ou em formação), através de atividades como formação em competências soft, de coaching e de mentoria. O projeto trabalha com 150 jovens desempregados ou à procura de 1º emprego. Os resultados contratualizados são a integração no mercado de trabalho e a manutenção da situação de emprego por um mínimo de 6 meses.
O Instituto do Emprego e Formação Profissional, I.P. é um dos parceiros em ambos os projetos e tem acompanhado de perto a sua execução. O conhecimento sobre contratualização por resultados tem vindo a ser construído no setor público português, particularmente nas estruturas ligadas ao emprego.
Os títulos de impacto social não são uma panaceia. São contratos complexos que exigem custos de monitorização e avaliação. Há muitas respostas sociais que têm um valor intrínseco e onde uma lógica de puro pagamento por resultados pode não ser apropriada. No entanto, no contexto da requalificação subsidiada pelo setor público, onde a motivação dos beneficiários é claramente evitar o desemprego, o subemprego ou a precariedade, é essencial que seja colocado um foco cada vez maior no cumprimento desses objetivos. Isso só será possível se as organizações sociais tiverem o incentivo financeiro, a flexibilidade e o apoio para se focarem a 100% nos resultados.
Pós covid-19, as respostas na área da empregabilidade estão sob pressão renovada. Os TIS são uma ferramenta poderosa para mobilizar o setor privado, incluindo a economia social, e garantir que o setor público consegue alocar os seus recursos escassos de forma eficaz.
Mais do que uma estatística a manter, o emprego de qualidade importa porque é uma alavanca de autoestima, bem-estar e saúde mental. Na recuperação da crise da covid-19, é mais relevante do que nunca que todas as organizações públicas e privadas que compõe a estrutura de apoio à empregabilidade definam claramente os resultados a atingir e utilizem de forma mais eficaz possível as ferramentas de que dispõem para mobilizar a sociedade a contribuir para esses objetivos.
Declaração de interesses: A MAZE, onde sou empregada, é responsável pela gestão de desempenho dos Títulos de Impacto Social Bootcamps Academia de Código e Faz-te Forward, assim como de outros dois TIS em implementação em Portugal.
*Margarida Anselmo escreve segundo o novo acordo ortográfico
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