O dia 27 de julho de 2023 foi um marco na história do desporto português e das portuguesas. Pouco passava do início da partida contra o Vietname, quando as Navegadoras nos fizeram festejar o primeiro golo. Que bom é ver a representatividade no desporto. Que bom é saber que, como eu, mais raparigas e mulheres se sentiram especialmente representadas nesta vitória.
É verdade que, em Portugal, vivemos dias de celebração para o o futebol e para a equipa de futebol feminina. Além de ser a primeira vez que a Seleção Nacional de Futebol Feminino é apurada para a fase final de um Campeonato do Mundo, foi também marcado o primeiro golo, nesta fase, ao serviço de Portugal - por Telma Encarnação no jogo contra o Vietname. Kika Nazareth seguiu-lhe os passos e o rumo da bola, fazendo o 2-0 e garantido a vitória a Portugal nesta segunda partida.
As mulheres jogam futebol. E não só no futebol têm impulsionado a mudança e inclusão, como noutras modalidades desportivas. Somam conquistas e adeptos, despertando uma atenção mediática cada vez mais presente. Gostava de ter a certeza de que se anteveem boas marés. Que a valorização da vertente feminina no futebol cresce e que a relação das mulheres com o desporto é respeitada em pleno. Estou ciente das vitórias conseguidas nesse sentido, tal como estou dos passos que ainda faltam para o desporto - também o futebol - ser efetivamente para todos e todas, independentemente do seu género, religião, condição social, económica ou geográfica.
Em França, um anúncio da empresa de telecomunicações Orange tem desafiado as perceções sobre a vertente feminina do futebol. O vídeo expõe algumas das melhores jogadas dos atletas da equipa de futebol masculina, os Les Bleus, acompanhadas da narração emotiva dos comentadores. No entanto, quando aparece a mensagem "Só os Les Bleus nos podem dar estas emoções. Mas não são eles que acabaram de ver" e nos é mostrado todo o processo de edição de vídeo, é que percebemos que os passes e golos que observámos não são dos astros da seleção masculina, mas sim das jogadoras da seleção feminina francesa, as Les Bleues.
Por outro lado, ainda em França, enquanto se procuram derrubar preconceitos quanto ao futebol feminino e consciencializar para a qualidade de jogo que, também as mulheres, são capazes de ter, as mulheres muçulmanas continuam a enfrentar barreiras na prática desta modalidade. No passado dia 29 de junho, o Conseil d'État decidiu que a Federação Francesa de Futebol não teria de alterar a sua política discriminatória que proíbe as jogadoras muçulmanas que usam hijab (véu islâmico) de participarem em jogos de futebol de competição. Esta é uma medida que viola os direitos à liberdade de expressão, de associação e de religião das jogadoras muçulmanas, comprometendo também os esforços para tornar o desporto feminino, onde o futebol se insere, mais inclusivo.
No Afeganistão, embora o gosto pelo desporto seja algo tão intrínseco como nos restantes países, os Talibãs têm impedido a sua prática às mulheres e raparigas, alegando que não se coaduna com o papel da mulher na sociedade. Muitas procuram realizar atividades desportivas em segredo, debaixo das apertadas restrições e vigilância por parte das autoridades de facto do país, receando qualquer telefonema, visita intimidatória ou pior desfecho. A liberdade para praticar desporto é agora uma miragem. Por sua vez, no Irão, as restrições à entrada de mulheres nos estádios de futebol têm sido uma realidade difícil de quebrar. O caso da jovem Zeinab Sahafi, que várias vezes se disfarçou de homem só para poder assistir a jogos de futebol no seu país, é só mais um exemplo de como o desporto é ainda interdito à vida das mulheres, no Irão e em tantos outros sítios.
Mas acredito que as boas marés virão - fruto da persistência, da vontade, do respeito, da justiça e, inevitavelmente, do tempo. A mudança, ainda que devagarinho, já está a acontecer.
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