Em Fevereiro, um pai, foi acusado e condenado a nove anos e seis meses de prisão por violar a filha. A primeira vez que a violou, a menina tinha cinco anos. Estamos em Agosto de 2017, e o caso que chegou ontem aos jornais é uma espécie de repetição. A menina começou a ser violada há dois anos. Tinha nove anos. Esta menina-vítima engravidou do pai adoptivo – o casal tem mais uma filha adoptada. A mãe desconfiou de algo e levou a menina ao hospital, detectada a gravidez, o hospital foi obrigado, por lei, a contactar a Polícia Judiciária. A menina expôs – sabe Deus a que custo – a situação em que vivia.
A maioria das vítimas de abusos sexuais sentem vergonha e culpa. Aos 11 anos, grávida, esta menina sentirá muito mais do que vergonha e culpa. A protecção é um direito da criança e está consagrado na Lei. O Estado tem autoridade para retirar menores aos pais, menores que considera que não têm o cuidado e a protecção devidos. O Estado também tem autoridade para tratar de adopções. O Estado deve estar a morrer de vergonha e culpa, mas como o Estado somos todos nós é mais fácil ter pena, dizer cobras e lagartos nas redes sociais, pois o Estado é um ser invisível que também sai em liberdade.
A Justiça portuguesa – ou à portuguesa – terá múltiplas virtudes, encantos e acertadas decisões, contudo é preocupante perceber que, num caso em que existem provas e uma testemunha directa, um violador possa sair em liberdade com uma facilidade que parece ser, no mínimo, estranha.
A pergunta que se impõe é: a juíza de instrução – neste caso, uma mulher – teria alternativa? Leio nas redes sociais que há quem a acuse de falta de sentido de maternidade. Desconheço se é mãe ou não é, para o caso é totalmente indiferente. O que importa é saber com que consciência se deitará à noite no recato do seu lar. E, já agora, como será a vida desta criança? Que efeitos e que conhecimentos tem a segunda filha? O que será da mãe desta criança, mulher de um violador? Estas perguntas talvez façam parte dos sonhos da senhora juíza logo à noite, mas serve de pouco.
Devemos estar todos envergonhados.
Os casos de juízes com decisões esdrúxulas, e estou a ser simpática, acumulam-se. Já sabemos que o Tribunal Europeu condenou a Justiça portuguesa por negar a sexualidade a uma mulher com 50 anos. Agora, deixa um violador ir porta fora até se ver. Uma violação não é a mesma coisa que uma fraude, um processo de corrupção. Não pode ser tratada da mesma forma.
Se o problema é da lei e da sua formulação, estamos muito mal e atrasados. E, já agora, pergunto-me: quem são os juízes? Qual é a razão que os leva a ser juízes? Talvez tenham feito o curso e seguido esta via por lhes ser impossível ser um advogado ou advogada de jeito. Quem é que vai resolver esta questão? Se a juíza não tinha uma medida alternativa fica mesmo de mãos atadas? Não faço ideia, os juízes parecem-me sempre ser uma classe à parte. Não são. Alguém deveria ser o juiz dos juízes.
Enfim, há alguma coisa errada, profundamente errada, e não é no reino da Dinamarca.
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