Disclaimer: Tenho, em regra, pouca simpatia para o feminismo servido como (mais um) discurso politicamente correcto. O que me torna uma não-entusiástica do Dia da Mulher ou das quotas como forma de introduzir justiça num mundo em que os homens continuam a ocupar a maior parte dos lugares de decisão.

Voltando ao livro de Solnit. Depois de o ter as mãos, voltei ao artigo do Público destacado aqui, no SAPO24. Um artigo que recomendo vivamente para quem quiser saber mais sobre a autora, o seu trabalho e o seu pensamento, mas do qual vou, oportunisticamente, usar o excerto que me permite falar da apropriação do saber dos outros e, sim, muito provavelmente, do enorme aproveitamento que ao longo dos séculos os homens têm feito do saber feminino. Escreve a Isabel Lucas: "De tudo isto surgiu uma expressão, mansplaining, que se aplica sempre que um homem explica algo a uma mulher assumindo, por princípio, que ela precisa que ele lhe explique essa coisa mesmo que tal não lhe tenha sido pedido."

Como já referi, o feminismo não é, em regra, o meu ponto de contacto com uma série de temas. Incluindo aqueles que se podem considerar, justamente ou não, feministas na sua essência, mas que tendo a ver como de elementar justiça. O que significa que se o desequilíbrio fosse, por estapafúrdio que possa parecer, ao contrário, para mim seria exactamente o mesmo.

Mas é verdade que alguns temas têm sexo e é ainda mais verdade que se tornou fácil – para homens e mulheres - jogar simplesmente com as regras de um jogo que tem séculos. A apropriação por terceiros de uma determinada ideia ou saber acontece todos os dias nas empresas, na política ou, de forma mais banal, nas redes sociais, apenas para referir esferas de grande visibilidade.

E, sim, é provavelmente mais frequente a apropriação de conhecimento ou de criatividade por parte dos homens – porque em regra estão em maior número em lugares que permitem poder fazê-lo. Mas, e desculpem feministas que possa enervar, terá isso a ver com sexo ou com poder? É que não poucas vezes já presenciei exactamente o mesmo comportamento por parte de mulheres, desde que em lugares de poder, o que me faz acreditar mais num "defeito" da natureza humana do que propriamente num "defeito" determinado pelo sexo.

Ainda no artigo do Público, diz Rebecca Solnit: "Os homens explicam-me coisas, ainda hoje. E nunca nenhum homem pediu desculpa por me explicar, erradamente, coisas que eu sei e ele não. Ainda não, mas, segundo as estatísticas, posso viver mais quarenta e tantos anos, por isso há esperança. Embora me pareça melhor esperar sentada…". É verdade, os homens explicam-nos coisas, não deve ser difícil à maioria das mulheres lembrar-se de exemplos de mansplaining, o tal termo cunhado por Solnit. Mas incomoda-me, como mulher e sobretudo como ser humano, muito mais a injustiça da apropriação do que o sexo de quem se apropria. O facto de as melhores ideias dependerem, na maior parte das vezes, da esfera de poder de quem as apresenta, empobrece-nos a todos. O facto de pessoas em lugares de poder, homens ou mulheres, não terem vergonha de se apropriarem de ideias de outros, empobrece cada um que o faça.

Dizia Shakespeare que uma rosa com outro nome não cheiraria tão bem. É mais ou menos isto que acontece quando avaliamos as ideias com base na pessoa que a apresenta. Melhora se for um homem? Se estiver num lugar de poder – e sabemos que a maioria dos lugares de poder são ocupados por homens – sim. E essa é a injustiça que importa corrigir, preferencialmente, na minha opinião, sem recorrer a quotas que transformam mérito em burocracia. Depois vem o resto – seja o mansplaining, seja o mesmo tique de apropriação em versão feminina.

Tenham um bom fim de semana

Outras sugestões

Para Emma Thompson, o facto de os estúdios de cinema estarem actualmente a escolher "jovens estrelas" com base no número de seguidores que têm nas redes sociais é, passo a citar, um desastre. Na sua opinião, trata-se de vender filmes usando os perfis destes actores como canal de distribuição e promoção mas descurando a componente artística.

O mundo é definitivamente digital e ai de quem prefira fazer de conta que não vê. Na semana em que decorreu em Lisboa a Interact 2016, que trouxe boas ideias e novos conceitos para quem trabalha em media digital, ficam duas notas deste admirável mundo novo:

  • 43% dos utilizadores do Facebook não fazem ideia onde foram originalmente publicados os conteúdos que leram na rede social (também pode ler-se ao contrario, 57% sabe, é sempre uma questão de perspectiva)
  • As finais da Liga Europa e da Liga dos Campeões vão ser transmitidas em direto no Youtube no canal BT Sports. Futebol em directo, esse activo que até há pouco tempo era propriedade de um meio chamado televisão.

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