Numa segunda-feira de Agosto, fui pôr o meu carro a arranjar. Aquilo ainda era coisa para demorar uns quantos minutos e, por isso, fui com a minha mulher ao café mais próximo, à espera que o mecânico terminasse as suas operações de magia.
Para horror de alguns, durante os minutos que estivemos sentados, pouco falámos e passámos o tempo todo de cabeça inclinada para o telemóvel. A caçar Pokémons? Teria sido bom, mas não. Estávamos a olhar para bichos bem mais complicados de apanhar e arrumar: os e-mails. Pois que, avarie-se o carro ou nem por isso, o trabalho das segundas-feiras de manhã não desaparece. E assim lá fomos passando os dedos furiosamente pelo ecrã a responder a mensagens (e, vá, admitamos: a ver uma coisita ou outra no Facebook).
O certo é que eu costumo ter um olho no ecrã e outro no que oiço à minha volta. E, umas mesas ao lado, estava uma adolescente a falar para o telemóvel. Sim, a falar. Estava numa chamada de vídeo com o namorado e, naquele café tão português (com cartazes do Benfica Tricampeão e revistas do Correio da Manhã), falavam os dois num rápido e desenvolto francês.
Sim, os emigrantes voltam e trazem os filhos. E estes, no nosso querido mês de Agosto, mantêm as amizades e os amores à distância — como todos fazemos quando temos de estar longe dos nossos. E, no meio disto tudo, as línguas não ficam muito puras, fechadas nas suas fronteiras. As línguas são como nós, no calor do Verão: despem-se e abraçam-se.
Nas praias é a mesma coisa: ouvem-se línguas diferentes, muitas delas bem misturadas. Temos os emigrantes a falar em duas línguas. Os turistas a comunicar com os vendedores de bolas de Berlim com gestos e risos. Temos os sotaques do país misturados num Algarve a transbordar, salpicados de muito inglês e outras línguas mais frias. Temos outras linguagens mais universais e muitos sorrisos, muitos olhares, beijos em muitas línguas ou em nenhuma.
Se percorrermos as cidades do país, vemos o mesmo: as línguas misturam-se mais no mês de Agosto. Pelas ruas de Lisboa e do Porto, há línguas fáceis de identificar, outras nem por isso. É fácil ver o castelhano a entornar-se pelas nossas ruas. Uma vez por outra até oiço um catalão a parlar amb els seus fills, deixando-me a mim de orelhas arrebitadas e a quase todos os outros com os ombros encolhidos de tanto espanhol que por cá anda (ou será francês?).
Isto, claro, não acontece só por cá: em toda a Europa o mapa das línguas fica pintado de muito mais cores do que o normal. Agosto é assim: um bom mês para descontrair e esquecer, nem que seja por momentos, certas fronteiras.
Ah, queriam conclusões, indignações, um artigo com mais sumo? Este é um artigo leve, de Verão. Aproveitem esse outro sumo que está à vossa frente, na esplanada da praia. Só vos quis fazer um convite para aproveitarem estes dias quentes de ouvidos um pouco mais abertos para as palavras diferentes que ouvimos por aí. E, se quiserem, metam pelo meio conversas e beijos entre as línguas que quiserem.
É Agosto, ninguém leva a mal.
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Este texto, na verdade, escrevi-o noutro ano, como se percebe bem. As línguas, em 2020, misturam-se menos. Que voltemos às misturas muito em breve!
Marco Neves | Professor e tradutor. Escreve sobre línguas e outras viagens na página Certas Palavras. O seu livro mais recente é o Almanaque da Língua Portuguesa.
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