Nada vence a rapidez das análises nas redes sociais, especialmente quando alimentadas por anónimos que costumam, inexplicavelmente, dar um “like” nos seus próprios comentários. São "analistas" que chegam ao êxtase a cada novo acidente ou facto que possa gerar combustível para as suas ideias obtusas e clarividentes sobre o mal que anda no ar.
“É preciso ter pudim na cabeça para acreditar que foi um acidente”, atestou um dos cavaleiros do apocalipse nas redes sociais, sobre a queda do avião que levava o juiz Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, para um final de semana em Paraty, no litoral do Rio de Janeiro. Como o juiz era o relator da Operação Lava Jato - aquele que define, grosso modo, quem será julgado, quem será investigado e quais partes do processos serão arquivadas - óbvio que seria a conspiração que se seguia nas redes sociais. É muito pudim para pouca cabeça.
Quando as teorias não são alimentadas por mentes obtusas, são-no por maliciosas. É o caso de muitos bloggers que viram as suas fontes de rendimento secarem com a queda do governo Dilma. Uma das primeiras ações da Secretaria de Comunicação do governo Temer foi óbvia: parar de pagar a blogues que apoiavam o governo anterior e que continuavam a atacar o atual. Os devaneios com teorias conspiratórias partem, muitas vezes, desses jornalistas que há anos perderam espaço nos media e sonham com o regresso dos subsídios governamentais para os seus espaços digitais. Rancorosos, com um bom repertório e o talento para a escrita, conseguem convencer muita gente - sobretudo quem gosta de ser convencido.
Para alguns deles, Ayrton Senna já bateu morto na curva Tamburello. Uma das teorias alega que teria levado um tiro certeiro, no exato ponto vulnerável do capacete, quando corria a 300 km por hora. Haja pontaria! Para eles a barra da direção não se partiu na soldagem que, a pedido de Ayrton, havia sido feita para aproximar mais o volante ao corpo do piloto. Ayrton foi assassinado. Não explicam por quem nem o motivo.
No caso do ministro do STF, as teorias são as mais variadas. Lobão, um músico mais famoso pelas barbaridade que tem dito do que pelas músicas que já não executa há anos, foi logo anunciando no Twitter: “APAGARAM TEORI”, assim, em letras maiúsculas a decretar um assassinato. Em Agosto de 2014 houve a queda do avião do então candidato à presidência do Brasil, Eduardo Campos, que crescia nas sondagens e ameaçava a reeleição de Dilma. Mesmo com o resultado das investigações a mostrar que o piloto cometeu um erro na aproximação que o obrigou a inverter a aterragem e, como havia baixa visibilidade, desencadearam-se uma série de outros erros que levaram à queda fatal, os cavaleiros do apocalipse decretaram: “Apagaram Eduardo Campos!”
Ulysses Guimarães foi um ícone na luta contra a ditadura no Brasil. Deputado federal por São Paulo, foi 11 vezes eleito. A sua trajetória posicionava-o para estar à frente de várias ações, entre elas o processo de impeachment do ex-presidente Fernando Color. Quando voltava das suas férias em Angra dos Reis, cidade vizinha de Paraty, com destino a São Paulo, o helicóptero que o transportava com a sua esposa caiu numa praia a 20 km de onde ocorreu o acidente com Zavascki. Ulysses estava acompanhado do amigo e senador Severo Gomes que também estava com a esposa e o piloto da aeronave. Todos os corpos foram resgatados, menos o de Ulysses, esse nunca foi encontrado. Quanto pudim surgiu naquela época!
O Brasil é um país onde os ricos são realmente muito ricos. A frota de helicópteros na cidade de São Paulo é a segunda maior no mundo. O número de aviões particulares não fica muito atrás. Se com automóveis os acidentes acontecem, com aviões, embora mais raros, também. O relato de um piloto que faz o trajeto do voo de Teori Zavascky com frequência, nos mostra como aquela região é vulnerável a acidentes e como são frequentes. O post que aqui reproduzo foi colocado no perfil de um amigo que pediu para não ter o nome divulgado:
“Quem opera na executiva (aviação) sabe bem o quão frequentemente se transgride as regras de voo visual nas operações em Paraty, Angra e Ubatuba (Angra faz fronteira com Paraty a Norte e Ubatuba a Sul). Basta que as condições metereológicas se degradem abaixo dos mínimos visuais para que o show de transgressões comecem. Se for em véspera de feriado ou no último dia do feriado então, vira show de horrores. Há inúmeros procedimentos mandraque e macetes difundidos entre os pilotos que operam naquela região. O grande interesse dos patrões e passageiros de táxis aéreos em voar para lá, principalmente no verão e nos feriados, impõe um fator de pressão com o qual os pilotos não tem sabido ou podido lidar de forma saudável (não sabem dizer não). A facilidade com que a metereologia se degrada na região, principalmente em épocas quentes e húmidas, somada ao relevo desafiador que impõe severas restrições operacionais aos aeródromos dessas três cidades, completam o quadro de um ambiente potencialmente catastrófico. É claro que essa situação não passaria impune por muito tempo. Todos os anos temos fatalidades por lá. A lista é imensa, longeva. Há bem mais de uma década, ano após ano, ricos tem morrido em caríssimos aviões e helicópteros executivos na região.”
Com o muito que já foi analisado sobre o acidente, e pelos depoimentos de pilotos experientes dessa rota, como esse que acabámos de ler, a verdade é que, como diz o ditado americano - e ditado geralmente diz a verdade: shit happens. Para tristeza dos catastrofistas.
Ao que tudo indica, o piloto, embora experiente, foi ao limite de sua perícia técnica e perdeu o controlo da aeronave por falta de condições visuais, minutos antes da aterragem. Se foi uma ação criminosa, seria comparável ao tiro certeiro na viseira de Senna, uma vez que, na teoria da conspiração, “o piloto de Zavascki foi envenenado e já estava morto na hora do acidente”, ou seja, a dose do veneno deu tempo de chegar a um minuto da aterragem. Estes génios precisam sempre encontrar um plano maquiavélico por detrás de uma desgraça para gerar partilhas, movimentar o Twitter com frases que alimentem o mal que está aí e tudo antes que ele acabe. Afinal, vai que amanhã nada de mal aconteça, o que haveríamos de comentar?
Alto lá! O Evangelho traz em Mateus, 6:34, o seguinte alento para a turma do apocalipse:
“Portanto, não se preocupem com o amanhã, pois o amanhã trará as suas próprias preocupações. Basta a cada dia o seu próprio mal.”
Paulo Cardoso de Almeida é colaborador do SAPO24, vive em São Paulo e escreve em português do Brasil.
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