As notícias sobre cura e os seus avanços são as melhores de todas. Felizmente, em Portugal estamos do lado do mundo onde as crianças com cancro têm prognósticos de cura superiores a 80% e não do lado onde a realidade é a inversa. Que o nosso progresso consiga ajudar e contagiar esse lado do mundo!
A cada vez maior sensibilidade e interesse científico pela oncologia pediátrica tem levado a que os diversos organismos dedicados à investigação, também em Portugal, se tenham começado a debruçar sobre os vários tipos de cancro pediátrico. Com isso têm surgido, em 2023, muitos projectos prometedores nesta área. Muitos englobam vários parceiros e, pelo menos um que conheço bem, reúne praticamente todos os parceiros que existem no país e que trabalham nesta área. Se isto não é uma boa noticia, que poderá sê-lo?
A meu ver, esta experiência, verdadeiramente única em Portugal, poderá levar a que os centros de referência para o tratamento do cancro pediátrico trabalhem cada vez mais em conjunto, conseguindo assim potenciar as suas valências numa área de conhecimento tão específico e, por isso mesmo, dotado de não muitos recursos.
A par disso, regista-se uma cada vez maior sensibilidade da sociedade para o cancro pediátrico e juvenil. Publicam-se artigos, há debates, há uma preocupação com os tratamentos, com a qualidade de vida dos doentes e com a qualidade de vida dos cuidadores. O progresso não é tão grande como muitos de nós desejariam, mas é imparável, pois todos os dias existem pequenos sinais: uma publicação numa rede social, um artigo, um destaque num telejornal, uma menção ao cancro pediátrico numa conferência sobre pediatria ou numa sobre as temáticas da juventude.
A sobrevida é cada vez maior, a qualidade da mesma é, finalmente, uma preocupação. E é uma boa preocupação. A atenção que durante anos se deu à luta pela sobrevivência retirou o foco sobre a qualidade de vida dos que sobreviviam. O número de sobreviventes era escasso, quando os primeiros números começaram a ser públicos. Mas felizmente as taxas de cura subiram além dos 80%, sobretudo num dos cancros mais frequente de entre o enorme grupo de cancros pediátricos que é a leucemia.
E que oportunidades existem?
A oportunidade de usar o cancro pediátrico, o qual é em exclusivo tratado dentro do sistema nacional de saúde, para melhorar a qualidade do tratamento e a qualidade do acompanhamento durante e após a doença, de forma a usar esta como área pioneira e de excelência que poderá servir de exemplo para outras áreas. Para isso, é preciso melhorar as condições dos profissionais de forma a retê-los, criar oportunidades de aliciar a carreira médica a uma investigação que vise melhorar a qualidade de vida dos sobreviventes. Para tal, terá de haver um conjunto de profissionais não técnicos de saúde que assegurem a retaguarda destas equipas permitindo-lhes concentrarem-se no que são bons a fazer.
A possibilidade de acompanhar a sobrevivência de forma a que os jovens se sintam seguros, acompanhados e informados relativamente a sequelas e ao seu acompanhamento ao longo da vida. Esta possibilidade é uma exígua realidade que não chega a todos e a todo o país. Mas o investimento necessário para a garantir é relativamente baixo quando comparado com o retorno e, por isso, nem quero deixar de imaginar que o investimento adequado não seja feito.
O adequado e digno suporte económico às famílias que, desde o início da doença dos filhos e ao longo dos anos de tratamento o veem degradar-se progressivamente, sem que ninguém perceba que não conseguem ter forças nem meios para se concentrarem na sobrevivência da família. Apenas a sobrevivência do seu filho ou da sua filha deverão dar foco às suas energias. Aqui, uma vez mais, o investimento é pequeno para o tamanho da dignidade que é possível alcançar.
Por toda a Europa os planos sobre o cancro têm alinhado com o Plano Europeu Contra o Cancro. O facto de o Plano, que em Portugal visa dar cumprimento a essa estratégia, ainda não ter sido publicado constitui um atraso que, esperamos, seja, também ele, uma oportunidade para que se coloque o cancro pediátrico como uma das prioridades, que é o que consta do Plano Europeu. E, claro, que de uma vez por todas, aproveitemos para dar prioridade à informação actual, completa e credível sobre o cancro que afecta os filhos de, cerca de 800 pais em cada ano em Portugal.
Que 2024 seja um ano de concretização de oportunidades e que os 800 pais que irão ter o choque de ter um filho diagnosticado com um cancro, durante o ano que vem, consigam ter esperança.
A Acreditar – Associação de Pais e de Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994 com o objectivo de minimizar o impacto da doença oncológica na criança, no jovem e na sua família. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio em todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional, logístico, social, jurídico entre outros. Em cada necessidade sentida, dá voz na defesa dos direitos das crianças e jovens com cancro e suas famílias. A promoção de mais investigação em oncologia pediátrica é uma das preocupações a que mais recentemente se dedica.
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