Vem isto a propósito do filme protagonizado por Johnny Depp – sim, Johnny Depp, o pirata, aquele a que qualquer bom pai de família acha piada numa matiné de domingo à tarde – e que, basicamente, faz o que tem de ser feito quando o tema é Donald Trump. E que é, por mar, por terra ou por ar, explicar aos americanos que se não percebem que o homem é perigoso, percebam pelo menos que é ridículo. E que essa é uma razão de peso para não o elegerem presidente da nação mais poderosa do mundo, porque os efeitos seriam à escala planetária.
Donald Trump’s The Art of the Deal: The Movie estreou e foi produzido pelo site "Funny or Die", um projecto que envolve vários nomes do cinema e da televisão americana (entre os quais está, por exemplo, Adam McKay, realizador do filme The Big Short em exibição nos cinemas e que é outra forma de fazer política e cidadania, além, naturalmente, de espectáculo). E Donald Trump’s The Art of the Deal: The Movie estreou exactamente no mesmo dia em que Donald Trump confirmou a sua vitória nas primárias americanas no estado de New Hamphire. O que por si só nos deveria fazer chorar em vez de rir.
Sobre o filme podem ler toda a história aqui, no artigo ontem publicado pelo "Público". Ou ainda melhor, podem ver o filme aqui, no site "Funny or Die, sem qualquer restrição". Mas, acompanhem-me só mais um pouco, que o filme tem quase uma hora e só vos tomo mais cinco minutos.
Fazer humor, produzir documentários “sem respeitinho”, criar formatos para televisão, para um site, para uma rádio é hoje (foi sempre?) provavelmente das formas mais poderosas e eficazes de chegar às pessoas. Chegar às pessoas é o grande desígnio dos políticos e das marcas. Uns para serem eleitos, outros para serem consumidos. Mas em Portugal todo este discurso esbarra num medo asfixiante de “parecer mal”, de alguém fazer um telefonema a alguém a dizer que não gostou ou de simplesmente haver discussão, divergência, polémica em relação a um determinado tema. Que horror! Polémica! Que horror! Opiniões fortes e contraditórias! Que horror! Pessoas importantes que se sentiram incomodadas.
É provavelmente por esta razão que devemos ser o país recordista de boas ideias e bons projectos guardados na gaveta. É também provavelmente por isto que permanence tanto imobilismo e ignorância em temas que são realmente importantes para a vida das pessoas. E é garantidamente por isto que se espera que algumas das pessoas mais criativas do país salvem o mesmo país da sua indigência intelectual e cultural (e não, não estou a falar de coisas que só meia dúzia percebe e aplaude) mercê de serem miseravelmente pagos, se mesmo pagos. Os Gato Fedorento, que hoje todos querem ter, só nasceram porque uma televisão lhes deu espaço, mesmo que sem orçamento.
Um amigo que trabalha nestas coisas do humor disse-me um dia que um humorista nunca pede desculpa. Não por arrogância, mas por coerência. Humor é humor. E tem um papel chave para desconstruir coisas que “as pessoas sérias” dizem e que precisam ou devem ser desconstruídas.
Precisamos de pessoas inteligentes, curiosas, corajosas, livres e em funções com poder de decisão para que filmes como Donald Trump’s The Art of the Deal: The Movie ou The Big Short aconteçam em Portugal, entre tantas outras coisas. Isso, mais que tanta palestra e filme institucional maçador, vai de facto fazer a diferença e, como tanto se gosta de dizer, chegar às pessoas. Sem paternalismos, o problema não é o povo. O Eça já dizia que o problema são as elites. E não é que são mesmo?
Tenham um bom fim-de-semana e assistam a Donald Trump’s The Art of the Deal: The Movie
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As guerras perduram muito além do seu tempo e teimam em não ficar guardadas para todo o sempre nos livros da História. Esta semana começou o julgamento de um ex-guarda de Auschwitz, hoje com 94 anos. Vieram testemunhas de vários pontos do globo e durante os próximos meses os fantasmas da 2ª Guerra Mundial vão regressar a Detmold, na Alemanha.
Ainda não é hoje, mas um destes dias vamos voltar a este tema. É sobre as espantosas razões por que em 2016 as mulheres continuam a ganhar menos que os homens. Em Inglaterra as empresas com mais de 250 empregados vão ter de divulgar quanto pagam de salários e bónus a homens e mulheres. E, sabe-se lá porquê, não estão a gostar da ideia e conseguiram mais um adiamento.
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