Na passada segunda-feira, dia 18, inesperadamente – que é o mesmo que dizer sem aviso –, na época natalícia, a Igreja Católica publicou um documento intitulado Fiducia Supplicans. Com aprovação do Papa Francisco, o Dicastério para a Doutrina da Fé (antigo Santo Ofício) anuncia ao mundo que as bênçãos a casais gay – ou considerados de algum modo fora das normas católicas – são permitidas. Não se trata de aceitar que os casais gay possam casar, isso seria, sim, um avanço extraordinário; trata-se apenas de reconhecer a existência dos mesmos, através da possibilidade de uma bênção. A Igreja Católica é muito lenta a agir, a tomar decisões, a reverter posições anteriores. Está em contraciclo com a sociedade, que vive na extrema velocidade de fazer e cumprir, aceitar e melhorar, com uma urgência extremada.
Muitos dos meus amigos são gay, são casais gay. Grande parte deles tem mais fé num dedo da mão do que muitos que se dizem católicos. O amor de Deus está neles, faz parte da sua vida. Não creio que se felicitem por ter agora “direito” a uma bênção que os reconhece, mas que não valida a união ou casamento. Francisco, um Papa que tem procurado fazer muitos caminhos inovadores e, por isso, suscitado muito desconforto junto da ala mais conservadora da Igreja, não anda tão depressa quanto seria desejável, vai andando na direcção de uma abertura da Igreja ao mundo. Aprova o documento agora lançado, mas disse, há pouco tempo, que, casamento, só mesmo entre homem e mulher. As pessoas que estão num segundo casamento não podem fazê-lo na Igreja, estão impedidas de se apresentar perante Deus. Será o seu projecto menos válido por terem casado uma primeira vez? É possível anular o casamento, dirão alguns. Experimentem, é um processo demasiado irreal.
Em 2021, o mesmo Dicastério para a Doutrina da Fé publicou um comunicado, no qual se podia ler: “A Igreja não dispõe, nem pode dispor, do poder de abençoar uniões de pessoas do mesmo sexo”. O que mudou em dois anos? O mundo mudou muitíssimo, a Igreja nem tanto. Vejo com especial tristeza este documento, incluindo o seu título, que remete para a confiança nos suplicantes. O amor de Deus não envolve súplica, mas sim entrega e, sobre isso, muito haveria a dizer. O Dicastério deu-se ao trabalho de tipificar os tipos de bênçãos, para que não haja enganos. Para começar, o abençoado terá de viver comprometido e corresponder aos desígnios de Deus, inscritos na Criação. O abençoado faz uma súplica a Deus por uma vida melhor, e o padre que abençoa não necessita de exigir como condição uma “perfeição moral prévia”.
Deixo a pergunta: perfeição moral prévia… quem a tem? Diria que tudo isto equivale a dizer que a montanha pariu um rato e que mais valia não terem publicado documento algum. O silêncio é de ouro e no caso, infelizmente, a comunidade LGBTQI+ está habituada a que a vida seja sempre mais dura. O amor de Deus não se importa se somos gay, em situação irregular, confusa ou outra coisa qualquer. Não se importa. Sobre isso tenho a certeza.
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