Espanha parece seguir a propensão europeia e tender para um governo à direita, mas, em bem da verdade, devemos recordar que já assistimos a um cenário similar recente em Portugal, que acabou por contrariar as expectativas, culminando numa maioria absoluta de um partido de centro-esquerda. Devo, contudo, dizer que este não me parece que venha a ser o futuro de Espanha, uma vez que, apesar dos bons resultados económicos e sociais alcançados pelo executivo de Pedro Sánchez, ao longo dos últimos cinco anos, a população dá sinais de não querer continuar ao sabor de algumas decisões políticas que têm sido impostas à governação e, naturalmente, a fatura será paga por todos quantos se incluem nesta ala.
Aliás, a ação do atual governante, ao convocar as eleições antecipadas que agora se vivem, demonstra uma reflexão sóbria sobre o “cartão vermelho” que os espanhóis levantaram ao PSOE com o expressivo resultado do PP nas eleições regionais deste ano. Esta coragem, objetividade e capacidade estratégica política do líder do PSOE parecem continuar a cair nas boas graças do povo espanhol ao centro, que se revê num país moderno, progressista e em convergência com as diretrizes europeístas.
Apresentando-se como oposição e alternativa, na liderança do PP, Alberto Feijóo parece traçar um caminho bem diferente, afastando-se do centro e afluindo para uma direita cada vez mais tradicional e nacionalista. Aproveitando o fôlego conquistado na maioria das regiões do país, a direita acredita estar a desenhar “um novo ciclo político”, sobre o qual acabamos por não conseguir vislumbrar grandes desígnios, considerando que Feijóo opta por não comparecer aos debates e a reservar-se quanto à possibilidade de selar uma aliança pós-eleitoral com a extrema-direita, escudando-se no “antisanchismo” que, fervorosamente, têm apregoado.
Contrariando estas perspetivas de antipatia pelos exageros, quem parece vir a jogo repleto de esperança numa mudança governativa, são os extremos partidários. Por um lado, a extrema-direita, que representada pelo VOX de Santiago Abascal, espreme temas como a independência, a crise social e a nostalgia de uma Espanha “à moda antiga”. Assente numa base comum a esta ideologia radical, vão-se alimentando sofregamente do descontentamento de um povo cansado, bramindo, sem qualquer ponderação, tudo o que uma sociedade retrógrada quer ouvir na rua, mesmo que isso implique a discórdia agressiva ou a recessão de anos de luta por valores igualitários e democráticos. Fazendo bandeira de discursos populistas, machistas, racistas e bacocos reúnem os votos dos contestatários das sombras.
Pelo extremo oposto, apresenta-se a “estrela vermelha da política espanhola”, assumindo o papel da mulher do momento no mundo estadista. Yolanda Díaz não faz a sua campanha por menos e, de “peito aberto”, dirige concretamente o seu apelo ao voto aos trabalhadores, às mulheres, aos jovens e às minorias, afirmando ser a força capaz de os representar com a devida expressão e comprometendo-se na luta contra a revogação, já pré-anunciada pela direita, das muitas e importantes conquistas que estes grupos de cidadãos foram capazes de alcançar nas últimas conjunturas de governação de esquerda. A forma simples, mas calorosamente combativa com que tem trilhado o seu caminho nesta contenda, vai somando simpatizantes ao movimento, alcançando os que abraçam acima de tudo as lutas minoritárias e ambicionam uma nação mais igual, mais coesa e sem medo de se afirmar seja qual for a condição.
Posto o jogo na mesa e tendo os dados lançados, não se vislumbra uma maioria para nenhum dos quadrantes políticos que se apresentam nesta disputa, pelo que a escolha espanhola parece ser binária: esquerda ou direita. Do lado esquerdo, a equipa Sánchez/Díaz, com foco no aumento da empregabilidade, na consolidação das pensões, na luta pela liberdade de escolha de género, no feminismo, na ciência, na cultura, na união democrática e no respeito pela evolução social. Do lado direito, a dupla Feijóo/Abascal, pautando-se pelo conservadorismo, pela revogação do estado social atual, pelo término das políticas de igualdade de género e pelo fim das leis que permitem a interrupção voluntária da gravidez e a morte medicamente assistida. O alarme da partida já soou e cabe agora a “nuestros hermanos”, com o seu poder de escolha pelo voto democrata, a imperial decisão.
Tenho a felicidade de conhecer e conviver de perto com o povo espanhol. Sei bem que o sangue lhes ferve abaixo do ponto de ebulição padrão e que, por consequência, já se viram a braços com situações extremamente delicadas, como os sufocantes atentados terroristas praticados pelo grupo radical, agora extinto, E.T.A. e a inóspita guerra civil de 1936. Mas também sei que são um povo contemporâneo, nobre, de causas, de orgulho e de amor pelo seu país e pelos seus conterrâneos, não me parecendo assim que estejam dispostos a tomar uma decisão que os obrigue a ter de voltar a lidar com a opressão, a violência, a instabilidade e muito menos o retrocesso demagogo.
Vejamos como será a luz do amanhecer da Ibéria na segunda e aproveitemos esse dia para pensar e repensar, com sisudez, na salvaguarda da democracia de que usufruímos, sobre a situação de Espanha como um reflexo da realidade de Portugal. Que este acontecimento nos sirva de lição acerca do que queremos e, principalmente, do que não queremos para a governação do nosso país, porque se uma pessoa inteligente aprende com os próprios erros, uma pessoa muito inteligente consegue aprender com os erros dos outros, sem ousar replicá-los e acredito que o mesmo se aplique àqueles que, com bravura, assumem o leme de uma nação.
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