Há coisas que me fazem alguma confusão no mundo: a fome, a miséria e a guerra, os maus-tratos animais e, pior, homens adultos que gostam de wrestling. Falo, claro, do wrestling profissional, a chamada luta livre americana, e não do chamado wrestling amador que é aquele em que as pessoas competem e lutam a sério.

Lembro-me de ser miúdo e adorar ver wrestling na televisão, aos sábado de manhã, se não me falha a memória. Era como ver um filme de porrada, mas feito por pessoas reais capazes das maiores acrobacias, levando e dando cacetada, mas saindo sempre ilesas. Um dia, lembro-me de o meu pai me ter dito que aquilo era tudo a fingir. Não acreditei nele, tal como o meu irmão mais novo não acreditou em mim quando lhe passei esse conhecimento geracional. Era como dizerem-nos que o Pai Natal não existia, nunca acreditamos, mas depois começamos a ver as coisas com outros olhos e a reparar naquilo que o nosso coração não queria ver. “Como é que o Pai Natal tem tempo de ir às casas todas ao mesmo tempo?” ou “Como é que o Hulk Hogan levou tantos socos na cara e não está a sangrar nem com um olho negro?”; “Porque é que o Bernardo que é uma besta recebeu tantas prendas no Natal?” ou “Então o gajo nem conseguia levantar-se e ao cair das três pancadas lá conseguiu dar mais um saltinho e livrar-se da derrota e depois levantou-se e afinal já não estava cansado?”. Desconfio.

Vamos crescendo e percebemos que aquilo não passa tudo de uma coreografia bem feita, onde já se sabe à priori quem vai ganhar e perder. Percebemos que é como um filme, tudo encenado. Com o passar dos anos, o foco passou a ser menos nos “combates” e mais no que se passa à volta, tornando o wrestling numa espécie de telenovela feita por actores que têm ar de actores porno, mas que são ainda piores a representar e a dizer as suas falas. Um homem que vê wrestling não pode criticar uma mulher por ver novelas.

Sim, há as lutadoras femininas que lutam semi-nuas com roupas sensuais, mas com o advento da Internet não justifica. Percebo o encanto em termos atléticos, eles são claramente atletas, mesmo que todos cheios de esteróides, e treinam muito para chegar àquele nível e fazer aquelas acrobacias. No fundo, são duplos de cinema, mas intitulam-se de lutadores. Não são. Chamar lutador a um profissional de wrestling é como chamar prostituta a uma massagista e nem estou a falar das que fazem finais felizes. Sim, já lá tiveram lutadores a sério como o Cain Velasquez, mas ter um lutador daquele calibre no wrestling é como levar o Ronaldo a jogar uma pelada com os amigos e dizer “não podes rematar fora da área nem jogar de cabeça.”

Pelo que vi, a coisa até piorou. No meu tempo eram dois ou equipas de dois à luta, no máximo tiravam umas cadeiras e davam nas costas do adversário. Agora, entra gente do nada e começa a lutar, atiram o árbitro fora, tiram um bastão do rabo de um espetador da plateia, entra um cavalo com uma metralhadora, o árbitro depois recupera a consciência no momento certo, não vendo nenhuma das ilegalidades e atribui a vitória a um dos batoteiros e o público faz buh como se fosse possível aquilo ser verdade. E sim, de certeza que, tendo em conta o QI do norte-americano médio, muitos acreditam que aquilo é tudo verdade.

Por cá, tivemos um “lutador” muito conhecido que era o Tarzan Taborda e que era quem fazia os comentários na altura em que eu via wrestling na televisão. Escreveu um livro sobre como prolongar a vida com força, saúde e beleza. Morreu aos 70 anos com um ataque cardíaco. Escrever um livro de “Como prolongar a vida” antes de se ultrapassar a esperança média de vida é sempre um risco.

Eu gabo a coragem aos homens que admitem continuar a ver wrestling mesmo em adultos. Por isso, parabéns ao Diogo Beja e ao Axel pela coragem de enfrentar o preconceito e mostrar que é possível homens de barba gostarem de ver lutas encenadas entre dois homens musculados, oleosos e mascarados, sem medo do que a sociedade vai achar ou se vão ser gozados pelos amigos. Normalmente, é sempre malta nerd que atinge o clímax a cada nova temporada de Game of Thrones ou a cada novo filme de Star Wars. Também sempre fui nerd, mas num mundo em que há MMA, continuar a preferir danças coreografadas em forma de luta carnavalesca, parece-me estranho. Não estou a dizer que quem gosta são todos muito estranhos e que não podemos ser amigos deles ou que os devemos ostracizar, estou só a dizer que merecem ser um bocadinho achincalhados e que convém ter-se especial atenção ao amigo que gosta de wrestling porque, um dia, pode ser aquele que entra no escritório mascarado de mexicano a matar toda a gente.

Sugestões e cenas:

Para rir: Insultos de pessoas bem educadas, em Lisboa

Para ir: A minha vida dava um filme, no Porto

Para ouvir: Podcast Extremamente desagradável, de Joana Marques