Anfield Road, Estádio do Liverpool Football Club, popular clube inglês da cidade com o mesmo nome. Capacidade oficial de 54.074 espetadores. Hoje, os Reds recebem, em jogo do Liga dos Campeões, o Atlético de Madrid.
“Casa” cheia, anuncia o clube, através do site. Repito: são esperados 54.074 adeptos. The Kop, bancada que fica nas costas de uma baliza e que nunca deixou o clube caminhar sozinho, estará repleta com os fiéis de sempre. A cantar "you’ll never walk alone" até que a voz lhes doa, de cachecóis no ar, esticados até ao limite da lã.
Não sei se acontecerá. Arrisco. Imagine Mané, avançado do Liverpool, a celebrar um golo e correr na direção de quem ecoa o seu nome; Salah a abrir os braços, abraçando os milhares, em êxtase, que explodem, em simultâneo, na bancada; Jürgen Klopp, de punho serrado, a sorrir, virado para quem o futebol é mais que uma religião.
A imagem na mente só acontece porque Liverpool e Atlético vão disputar o jogo com aqueles que fazem, também eles, parte do jogo. Os adeptos.
A direção do clube tomou medidas excecionais, implementou medidas de higiene excecionais, os jogadores, excecionalmente, não darão o habitual aperto de mão, mas haverá gente no estádio. Sem exceção. Para ver o jogo. Para gritar, com a voz que lhe vem das entranhas, a palavra golo.
Agora imagine Anfield Road despido. Vazio. Sem gente a cantar, abraçados, de pé, a bater palmas, a levar as mãos (bem lavadas) à cabeça com um falhanço que não pode acontecer.
Imagine agora esse local sagrado vazio. Mané, para quem correrá? E Salah, quem abraçará? Klopp irá rir para quem?
É esta a imagem que vai acontecer, não em Anfield, mas um pouco por toda a Europa, com a decisão da realização de jogos de futebol à porta fechada. Nesses, será possível escutar o som da chuteira a embater na bola, o decíbel do “passa a bola!” e do “cruza!”, e terminar no encosto sonoro do esférico a aninhar-se nas redes.
Fora do jogo, há quem fale em suspensão de conferências de imprensa, fim de treinos abertos e tudo o mais. O futebol viverá, temporariamente, numa cápsula. E outras modalidades seguirão o exemplo.
Ora, sucede que o futebol, e o desporto em geral, vive de adeptos. Com os adeptos. Ao lado dos adeptos. Pep Guardiola, treinador catalão do Manchester City, tocou na ferida: “O futebol funciona sem adeptos? Se as pessoas não podem vir, não faz sentido jogar”, disse.
Klopp foi mais longe na conferência de imprensa. “Há coisas mais importantes que o futebol e percebemos isso neste momento; o que necessitamos é tempo para arranjar uma solução”, vaticinou. “O problema com os jogos de futebol é que se não estamos no estádio, então estamos em espaços fechados, talvez com outras pessoas, e não sei se é melhor, para ser honesto”, acrescentou.
Acrescento eu: faz sentido um jogo da seleção nacional de râguebi sem a 3.ª parte entre adeptos? Fará sentido uma prova de ciclismo sem alguém a empurrar montanha acima o trepador de duas rodas? Um jogo de ténis sem ouvir o aplauso no match-point? A quem o árbitro pedirá silêncio, entre serviços? Uma maratona sem incentivos nas ruas? Não, não faz sentido. Desporto sem adeptos, é desporto sem alma.
Para situações extremas, medidas extremas. Cabe a quem de direito pensar e tomar decisões. Adiem-se os jogos, espere-se que a pandemia passe. Jogos à porta fechada, não obrigado. Os adeptos agradecem. E os jogadores também.
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