Dilma Roussef e a presidente do Partido dos Trabalhadores, Gleisi Hoffmam, acompanharam Lula da Silva na chegada à manifestação em Porto Alegre. A iniciativa, organizada por centrais sindicais e movimentos sociais, contou ainda com a presença de políticos de vários partidos como o PSB, PCdoB e até PSDB e o PMDB do presidente Michel Temer. É mais um jogo de cena do que algo para pressionar os desembargadores, eles já votaram. E, seja qual for o resultado, isso afetará diretamente as eleições deste ano. Para alegria ou tristeza de uma fatia da classe média que ajudou a elegê-lo.

Lula não conseguia ter sucesso nas eleições presidenciais, porque a classe média se recusava a votar nele. No final do segundo mandato, o então presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que o derrotou nas duas eleições que Lula disputou com ele, andou a flirtar com a ideia de ser sucedido pelo líder popular. E Lula sucedeu mesmo a FHC, e passou o seu primeiro mandato demonizando a gestão anterior. Chamava-lhe "herança maldita".

No final do primeiro mandato, o governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), chegou a levar a disputa presidencial para uma segunda volta. Mas a coisa estava indo tão bem para todos, que Lula foi reeleito para um segundo mandato com 58 milhões de votos. Nunca a direita ganhou tanto dinheiro, e jamais os bancos cresceram tanto a cada trimestre.

De acordo com os números registados nas urnas, todos os eleitores que votaram nos outros cinco candidatos na primeira volta, migraram para Lula. Além deles, dois milhões de eleitores que votaram em Alckmin, fecharam a votar no ex-sindicalista e candidato do PT. “Lula é o cara!”, disse Barak Obama, então presidente dos EUA, no encontro do G20 em 2009.

Curiosamente, mesmo com a classe média a votar nele e com os bolsos recheados para fazer a alegria do comércio da Flórida, nos EUA - o seu principal destino de lazer, compras e exibicionismo -, essa mesma classe média não o perdoava. Luiz Inácio Lula da Silva, com o seu vocabulário limitado, sempre foi e sempre seria tratado de maneira preconceituosa por gente que usa expressões em inglês para parecer “cool”. Os mesmos que na Flórida são apanhados - ou flagrados como se diz no Brasil - a arriscar em restaurantes badalados: "por favor, una cervejita e una coca cuela".

Também sempre foi motivo de piada a ausência de um dedo mínimo numa das mãos, dedo que Lula perdeu enquanto trabalhava. Muitos deles pensam mesmo que o ex-metalúrgico o cortou de propósito para poder se aposentar por invalidez e dedicar-se ao sindicato. Ninguém prova, mas não precisa. Todos acreditam que é verdade e é isso o que importa no mundo dos algoritmos - aquele que faz desaparecer de sua linha do tempo tudo o que você não gosta, fazendo parecer que todos pensam da mesma maneira.

Lula, tinha tudo para não dar certo, mas insistiu e virou presidente do Brasil pela segunda vez. Quando a sua "turma", ainda no primeiro mandato, viu o tamanho das verbas das empresas estatais, julgou que desviar 0,5% de uma ou 1,0% de outra jamais chamaria a atenção. Talvez, se não estivéssemos a falar na escala das centenas de mil milhões.

Lula estava acompanhado dos mais ágeis larápios do dinheiro público em todos os segmentos. Os seus ex-ministros respondem a processos criminais, alguns estão presos. O chamado núcleo duro do PT, a liderança que comandava o partido durante o seu reinado, caiu em desgraça envolvido em desvios de dinheiro de empresas e obras públicas. Qualquer semelhança com o atual governo de Michel Temer, não é mera coincidência.

Lula colocou Temer como vice de Dilma, numa aliança com o PMDB que já vinha do seu governo. Para se ter uma ideia, Geddel Vieira Lima, que foi ministro de Temer responsável pela articulação com o Congresso Nacional, e teve as suas impressões digitais encontradas em cédulas guardadas em malas num apartamento onde havia 51 milhões de reais, também foi ministro de Lula. No governo de Dilma, Geddel assumiu a direção do banco estatal Caixa Econômica Federal (CEF) a convite de quem? Do então vice-presidente Michel Temer. A CEF está para o PMDB, partido de Temer, como a Petrobrás estava para o PT: dinheiro fácil, eleições garantidas. São farinha do mesmo saco.

A turma que Lula levou para Brasília delapidou algumas das principais empresas públicas brasileiras. Foram com tamanha sede para cima do dinheiro público que perderam o controle desse desvio. E como onde passa boi, passa boiada, o que era suficiente para um grupo pequeno passou a ser insuficiente para tantos envolvidos. Lula sabia de tudo? Supostamente sim. Mas ninguém conseguiu provar até hoje.

Lula deixou o seu segundo mandato com aprovação suficiente para fazer do coelho da páscoa o seu sucessor, e parecia estar a preparar o seu regresso ao posto após a passagem de Dilma pela presidência. Ela entrou e deu no que deu, crise política, financeira, desemprego e impeachment. Isto não estava nos planos.

O processo que condena Lula a 9 anos e 6 meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro chegou assim às mãos de três desembargadores que integram a 8a turma do Tribunal Regional Federal da 4a região - TRF-4, em Porto Alegre. Esta é a chamada segunda instância do processo que recebeu os argumentos da defesa do ex-presidente. Três desembargadores para ratificar a sentença dada pelo juiz Sérgio Moro, de Curitiba.

O juiz ouviu depoimentos do dono da empreiteira OAS, que afirmou ter cedido um apartamento triplex no Guarujá - uma cidade balneário a 60 km de São Paulo - em troca de favores na Petrobrás. Nenhum documento comprova isso, mas Lula esteve na obra, a sua mulher e o seu filho também, o caldo, quanto mais se mexeu, mais engrossou. A acusação dizia que era isso. A defesa exigia provas concretas do envolvimento de Lula, que não apareceram. Isso deu margem aos recursos da defesa.

Com a ratificação da sentença do juiz Moro pelos três desembargadores, Lula vai ser enquadrado na Lei da Ficha Limpa e o seu sonho de ser reeleito presidente acaba. Além disso, em pouco tempo deverá ser recolhido ao convívio com os seus ex-funcionários que hoje vivem privados de liberdade.

A turma da direita sugere que ele seria derrotado de maneira humilhante nas eleições, mas a verdade é que tinham muito medo do que poderia resultar nas urnas. Alguns até chegaram a sugerir que preferiam ver Lula perder no voto, o que arrepiou os mais temerosos que logo se posicionaram a dizer que deve responder pelos crimes, nada de eleições.

O PT, por outro lado, sempre tentou ganhar o debate no grito. Gleisi Hoffmann, eleita presidente com apoio de Lula, sugeriu derramamento de sangue caso ele seja preso. "Para prender o Lula vai ter que matar gente". Já um senador do partido comparou Lula a Nelson Mandela. Aquele líder negro que foi preso, grosso modo, por ser negro. Lula está bem longe dessa situação. Nem pobre é mais, Lula enriqueceu.

Os candidatos de direita, que defendem o armamento da população e não estão nem aí para a educação ou para a superlotação das prisões, para dizer pouco, despontam como alternativa imediatamente oposta a qualquer projeto popular.

Já as opções de esquerda são tão fracas, que os partidos assinaram um acordo intitulado “Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento”. Lula, para os partidos que alinham nesse hemisfério político, ainda era o cara. Sem ele a coisa desanda e vai ser difícil chegarem ao poder central novamente.

De centro direita, depois de Aécio Neves se ter enrolado nas teias da corrupção e queimado a sua imagem, apenas o eterno candidato e governador de São Paulo é opção. Pode ser que surja alguém como alternativa a tudo isto que está aí. Mas a verdade é que o Brasil está sem destino certo.

Jair Bolsonaro que ocupa o segundo lugar nas pesquisas eleitorais atrás de Lula é uma opção absurda-  até para a turma de Donald Trump. Militar na reserva que não perde a oportunidade de falar uma aberração, a sua equipa tentou negociar com a agência americana que comandou a campanha de Trump, Cambridge Analytica. A empresa disse que ia avaliar e após observarem o seu comportamento nas redes sociais, declinaram o negócio.

Pode ser que surja ainda a candidatura do atual ministro das Finanças, Henrique Meirelles. Mas ele desconversa o tempo todo e ninguém sabe ao certo se é bom ou não. E assim está o Brasil, várias opções, nenhum caminho.

Faz lembrar um diálogo de Alice no País das Maravilhas. Ela, na floresta, chega a uma encruzilhada que a deixa insegura. De uma árvore surge um gato cheio de ironia a oferecer-lhe ajuda. Alice diz que apenas queria saber o caminho a tomar. Ele, com tranquilidade felina, observa: depende do lugar para onde deseja ir. Alice responde: Realmente não importa. E o gato, sabiamente completa: Então não importa que caminho tomar.

Por enquanto, todos os caminhos no Brasil levam a lugar algum.