Quando António Costa chegou a São Bento depois de perder as eleições para Pedro Passos Coelho, graças a um acordo parlamentar à Esquerda, ficou claro que a leitura dos resultados das legislativas mudaram para sempre. Num ato eleitoral que, formalmente, elege deputados, mas na prática serve para escolher um primeiro-ministro, a jogada de Costa mudou o sistema. Não basta ganhar nos votos, é preciso ganhar no Parlamento. O sistema mudou? Nem tanto como se percebe que está a mudar com Marcelo na Presidência da República.
Quando se comemora os seis meses de governo, é em Belém que está a notícia. Marcelo tem uma legitimidade superior à do próprio primeiro-ministro, ganhou sem "espinhas", sem acordos de bastidores, contra todos os adversários e até contra o líder do PSD, Passos Coelho. Isso não lhe chegava, como se vê agora, com cerca de quatro meses em funções. Haverá argumentos para Marcelo ter tido, e dar os sinais de que vai continuar a ter, o papel que teve, desde logo a sua natureza. Outro argumento, bondoso, é o de que sistema centrado no Parlamento é demasiado instável, sobretudo tendo em conta o perfil deste acordo à Esquerda anti-natural em tantas dimensões centrais para o exercício do poder executivo e legislativo. É necessário um estabilizador, mas é Marcelo esse estabilizador?
Quando o Presidente funciona como rede de segurança do governo, em primeiro lugar, e como primeiro-ministro "sombra", depois, dificilmente encaixa em Marcelo o fato de estabilizador. Será outra coisa, outras coisas, estabilizador é que não se se olhar para lá do curto prazo. Marcelo quer moldar o regime, a partir da sua posição em Belém. E o quadro político que existe hoje não poderia ser mais propício a tal coisa.
O Presidente preferia uma maioria ao centro, mas sabe que tal será impossível com Passos Coelho na liderança do PSD. Não vale a pena, por isso, forçar a nota e fragilizar o primeiro-ministro. Primeiro, enquanto foi possível, foi um apoiante declarado, depois, quando os números e a realidade começaram a ceder, Marcelo iniciou um distanciamento estratégico.
O Presidente não dorme, já não dormia quando era professor universitário e comentador, agora dormirá menos ainda. Não para. Intervém, abraça, dá esperança, envolve-se, declara, sugere, aconselha, inaugura. E não só. Também governa. É este o maior risco para Marcelo, e para o sistema como o conhecemos.
Marcelo já percebeu que não pode deixar que o confundam com o Governo, mas quando faz saber que se envolve em operações como a crise acionista no BPI, a mediação da guerra do governo com os colégios privados e, agora, como "embaixador" junto de Merkel para evitar possíveis sanções a Portugal, a tradicional linha de atuação presidencial já foi ultrapassada. Há, claro, o que é e o que parece, o que Marcelo diz e o seu efeito prático, mas no mundo das perceções, conta pouca. Sobretudo num contexto em que os resultados da política do Governo estão aí a mostrar o que não deveria ter sido feito.
Marcelo é o único que pode mudar o regime, sim, Costa já percebeu, mas para já pelo menos navega à vista. Catarina Martins e Jerónimo de Sousa disfarçam mal o desconforto de quem vê Marcelo a mudar as regras do jogo. Provavelmente, por ironia, vão provar do mesmo veneno que, há seis meses, serviu para chegarem ao Governo.
As escolhas
É na educação que está a travar-se o maior confronto ideológico dos últimos anos. Ontem, foi uma manifestação dos colégios privados, como se pode ler pode ler aqui. Juntou cerca de 40 mil, de todo o país. Nas próximas semanas, será organizada outra, com o carimbo da Fenprof, uma espécie de contra-manifestação. O nosso futuro também passa por aqui.
Mas não só. Os estivadores ganharam (parcialmente) a guerra com os operadores, contra o país. Conseguiram, por exemplo, que não haja mais contratações, fecharam o mercado. Por isso, hoje, a "carga pronta e metida nos contentores" vai voltar a ser movimentada. 40 dias depois, até à próxima greve. A ler, também aqui.
Tenham uma boa semana
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