Provavelmente pouca gente sabe onde é a Moldávia, um país do tamanho do Alentejo, sem acesso ao mar, com 2,6 milhões de católicos ortodoxos, eternamente divididos entre a Roménia, de que fizeram parte, e a Rússia, que mantém no país uma minoria de 400.000 étnicos russos na província da Transnístria.

Depois da implosão da URSS, a Roménia declarou-se independente em 1990 e a Moldávia, que era então uma das suas províncias, separou-se logo no ano seguinte. Ato contínuo a província moldava da Transnístria também se declarou independente, o que gerou uma guerra civil inconclusiva.

Desde então a situação internacional destes países diferiu bastante. A Roménia tornou-se uma república parlamentarista e aderiu à União Europeia. A Moldávia também teve eleições logo a seguir à independência, mas ganhou o Partido Comunista, que ficou no poder até 2007. Nas eleições de 2020 ganhou Maia Sandu, do Partido Independente, pró-ocidental. A Transnístria não foi reconhecida pela ONU como país independente, nem o é até hoje, sendo governada informalmente por uma administração pró-Moscovo.

Estão a ver o saco de gatos desta situação. Basta dizer que entre romenos, moldavos, transnistrianos e cidadãos de outros países, há pessoas que chegam a ter três e quatro nacionalidades ao mesmo tempo. Na Moldávia há russos/moldavos, moldavos/romenos, búlgaros e checos. Há russos que também são israelitas, turcos e bielorussos. Também se contam moldavos/ucranianos e moldavos/ucranianos/russos. Finalmente, cerca de 30 mil pessoas não têm nenhuma nacionalidade.

Quinze aldeias de onze comunas do Distrito de Dubasai, localizada a Leste do rio Dniester, na região da Transnístria, ficaram sob o controle do governo central da Moldávia porque não participaram do lado moldavo durante a guerra de independência.

Esta confusão traduz-se abreviadamente num eleitorado pró-integração na UE e outro eleitorado a favor de uma aproximação à Federação Russa que foi precisamente a matéria que foi a referendo na semana passada. Moscovo tem feito de tudo - e o tudo de Moscovo vai de atentados e assassinatos a propaganda nas redes sociais - para que a sua facção vença o referendo que decorreu a semana passada.

No mesmo dia do referendo foi reeleita a Presidente da República (desde 2020), Maia Sandu, pró-UE, com 42% de votos; como não obteve maioria haverá uma segunda eleição a 3 de Novembro, entre ela e o procurador-geral Alexandr Stoianoglo, pró-russo, que só chegou aos 26%.

Muitos cidadãos acusam Sandu de fazer o referendo para apoiar a sua própria eleição e fazer esquecer a lentidão das reformas anti-corrupção que tinha prometido. No referendo, o voto pró-europeu venceu por uma unha negra, 50,46%; se Sandu conseguir consolidar a sua posição na segunda volta, a escolha pela Europa fica mais garantida. Mas Stoianoglo é apoiado pelo oligarca moldavo/russo Ilan Shor, condenado por corrupção e refugiado em Moscovo, que prometeu aos eleitores 30 euros se votassem contra ou se abstivessem, numa campanha no Facebook e Telegram. Embora esta manobra tenha levado a algumas detenções, é impossível apagar a interferência russa no dia 3.

Sondagens feitas antes do referendo, que não incluem a enorme diáspora moldava, indicam que a facção pró europeia tem entre 54% e 65% de possibilidade de dar a vitória a Sandu. Mas está visto que, mesmo que ela ganhe por uma margem notável, terá de enfrentar um parlamento difícil.

Além disso, o processo de adesão à UE, que Bruxelas prometeu fazer andar, levará muitos anos, por inerência das exigências de entrada na União, que inclui logo à cabeça a erradicação da corrupção. A UE quer mesmo aproveitar esta oportunidade de colocar mais um travão à expansão russa, mas, como sempre, empata-se na sua própria própria lista de exigências. Por outro lado, se facilitar as exigências, será logo criticada pelos países que aguardam há anos na fila: Albânia, Bósnia, Geórgia, Macedónia do Norte, Sérvia e Turquia. (A Turquia já se candidatou e descandidatou, não sabemos em que situação está neste momento, mas não pode perder uma oportunidade para se fazer lembrar…)

Estas votações (referendo e presidência) deixam a descoberto o que já está destapado desde a invasão da Ucrânia, em 2022: a União Europeia e a Federação Russa estão numa guerra em todas as frentes (militar e política) para definir a fronteira entre elas - ou seja, por onde irá passar a nova “Cortina de Ferro” nos próximos anos.