A mãe da Maria, logicamente, teria de deixar de trabalhar para a acompanhar no longo percurso de tratamento e a família, que vivia longe do hospital, não teria condições para poder pagar todas as contas. Sosseguei os pais nesse sentido informando-os que, após a análise da sua situação financeira pelo serviço social do hospital, a Acreditar estaria sempre disponível para ajudar através de um apoio mensal até que conseguissem equilibrar a sua condição económica e que, em caso de necessidade, também iria pagar a medicação prescrita em regime de ambulatório ou qualquer prótese que fosse necessária.

Com o passar das primeiras semanas de tratamento, entre visitas que resultavam em desabafos ou em palavras mais despreocupadas, com alguns risos à mistura tanto com a mãe como com a Maria, a tensão inicial foi dando lugar ao optimismo. O pai, que cuidava do irmão e trabalhava durante a semana, vinha, religiosamente, à sexta-feira com o filho e dormia na casa da Acreditar de Coimbra (que oferece alojamento gratuito para todas as famílias que dela necessitam sob pedido formal do hospital) e não prescindia de se revezar com a mãe no acompanhamento à jovem e ao outro filho. Mais tarde, na altura em que a Maria estava nos intervalos de tratamento, e por indicação do médico, também permanecia naquela a que chamava a sua segunda casa e, com a ajuda dos voluntários, os dias eram passados com a alegria possível. Assim, se mantinha a importante coesão familiar que se procura dar às famílias.

E sim, a Maria foi superando as várias etapas do tratamento com uma força hercúlea.

Nada fica na mesma quando passamos pela vida destas pessoas! Assim vou, impelida por uma força que em nada é comparável com a dos que vivem a mais difícil altura das suas vidas. Vou ter com aquela família que está desesperada por ouvir algo positivo de alguém, por receber um forte e sentido abraço ou por apenas necessitar de desabafar a sua, muitas vezes, já sofrida história de vida a quem ainda mal conhece. Vou ao encontro daquele jovem que está sozinho e que, entre lágrimas, telefona num domingo chuvoso e sombrio, como o seu estado de espírito, a dizer que me quer ver e conversar um pouco. Não raras vezes, as conversas mais longas fazem-se apenas com o olhar e são altamente marcantes para o comum dos mortais. Vou e levo comigo a palavra Acreditar que utilizo tantas vezes quantas forem necessárias para reavivar a esperança e o optimismo e para não deixar que se esqueçam que existe uma associação que passou a ser a sua família e que estará com eles nos momentos em que mais necessitarem.

Felizmente, nestes 16 anos de trabalho na Acreditar, senti, tantas vezes, a verdadeira felicidade de ver crianças, jovens e as suas famílias superarem este aterrador e moroso desafio. É, de facto, algo absolutamente indescritível e que nos enche a alma.

Dia após dia, ano após ano, vou tentando lidar com as minhas limitações no cumprimento de uma tarefa que me foi confiada, a de tentar, com o meu parco contributo, levar a Acreditar a estar cada vez mais perto destas famílias e lutar ao seu lado para que as crianças e jovens que vivem a doença oncológica tenham as mesmas oportunidades, não só de sobrevivência, mas também de conquistar a saúde psicológica e física e crescerem tornando-se adultos de pleno direito.

Ah! Antes que eu me esqueça... a Maria está bem.


Sobre a Acreditar: A Acreditar, Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro existe desde 1994. Presente em quatro núcleos regionais: Lisboa, Coimbra, Porto e Funchal, dá apoio a todos os ciclos da doença e desdobra-se nos planos emocional e social. Com a experiência de quem passou pelo mesmo, enfrenta com profissionalismo os desafios que o cancro infantil impõe a toda a família. Momentos difíceis tornam-se possíveis de viver quando nos unimos.