Foi descrita como ‘assustadora’ e ‘aterradora’ mas, estando ainda em fase de testes, já tem 5000 membros registados e recebe todos os dias 100 pedidos de acesso. Chama-se Peeple e é uma app para avaliar, pontuar, votar em seres humanos. Todo e qualquer ser humano, um ex-namorado, o chefe, o colega de escola ou a vizinha que encontramos no supermercado. Exactamente da mesma forma como se avaliam livros, músicas, carros. Um permanente escrutínio público dos nossos pontos fortes e fracos, como qualquer produto de consumo.
Apesar das críticas que choveram sobre o negócio que Julia Cordray e Nicole McCullough vão lançar em meados de Novembro, as duas empreendedoras descrevem o seu produto, simplesmente, como uma ‘app de positivismo para pessoas positivas’. Num vídeo promocional, em que Julia Cordray aparece a explicar a um potencial utilizador o que a Peeple irá fazer, a fundadora diz, positivamente, “nunca disseste às pessoas o quão extraordinário és”.
No dia em que estamos à beira das eleições de todas as incertezas em Portugal, apenas um dado parece consensual. É provável que a abstenção continue a aumentar. É provável que o novo governo consiga um mandato suportado por menos votos efectivos. É possível que haja mais pessoas no Facebook e no Twitter a discutir o governo, a oposição, a insuportável política do que pessoas a expressar votos em partidos. É quase inevitável que sejamos liderados por uma minoria de votos expressos, sejam quais forem os cenários de governabilidade. Isto é igualmente assustador e aterrador.
Estamos na era dos narcisos. Todos nós, uns (claramente) mais que outros. A popularidade é uma obsessão. Ter likes, ter fãs, ter comentários, ter shares é muito mais importante na vida de cada um do que ir votar – anonimamente – num determinado partido – de pessoas que não se conhece – e … sem nenhuma gratidão. Nem um comentário público – ‘obrigadinha Zé, pelo teu apoio, foi importante para mim, pá!’, nada.
Estamos fascinados com rankings, votos, quem sobe e quem desce, com números que traduzem a nossa popularidade, sociabilidade, escalabilidade. A tecnologia materializa, às vezes bem, às vezes menos bem, tão somente isso. As pulsões humanas, aquilo que nos faz correr. Foi por isso que os investidores adoraram a Peeple. Quanto adoraram? Adoraram em 7,6 milhões de dólares. É quanto merece de crédito uma ideia que, basicamente, põe pessoas a dar pontos a outras pessoas e a dizer coisas sobre outras pessoas. Publicamente. Sem que possa ser removido (ainda que possa ser questionado no prazo de 48 horas pós-publicação. Ena!).
Este é o novo palco da opinião pública. Estas são as suas ferramentas. Estes são os seus interesses. ‘Facebookizamos’ a nossa existência. Agora ‘Amazonazamos’ as nossas relações com os outros também.
Talvez por isso tenha sido tão mais importante fazer tracking polls diárias do que campanhas pró-voto. Tenho muitas dúvidas sobre o contributo para a cidadania de ter umas eleições transformadas num jogo de futebol (quem está a ganhar, quantos há? quantos há?). Tenho bastantes certezas sobre a dificuldade, cada vez maior, de fazer ouvir um discurso sério sobre democracia, eleições, o valor do voto. E é por isso que, ironias à parte, devíamos todos aprender alguma coisa com a tecnologia. Afinal ela só nos mostra o que as pessoas andam – realmente – a pensar e a querer fazer.
E é isso que, com inteligência e sentido de cidadania, talvez ainda possa salvar a democracia.
Power to the people.
Tenham um bom fim-de-semana!
Leituras sugeridas
E porque falamos de democracia e abstenção, fica a recomendação de leitura do artigo da Marina Costa Lobo, no Público. Diz assim: “A verdade é que no século XXI em Portugal, houve apenas uma eleição em que a abstenção diminuiu: tratou-se da eleição de 2005 – ano da primeira e única maioria absoluta do PS, em que “apenas” 35,7% dos portugueses não votaram, enquanto na eleição anterior, em 2002, esse valor tinha sido 38,5%. Fora 2005, a abstenção tem vindo sempre a subir neste novo século. Em 2009, atingiu 40,32% e em 2011 chegou ainda um pouco mais alto, ficando nos 41,97%.”
“É dos teus olhos”, dizemos condescendentes, mas de ego cheio quando alguém nos elogia a beleza. É mesmo dos olhos de quem vê, confirma a ciência. A avaliação da beleza é individual e intransmissível, depende da história de cada um de nós, das suas experências, e não da sua genética. É o resultado do estudo dos psicólogos Laura Germine e Jeremy Wilmer que o El País nos dá a conhecer.
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