O cancro talvez seja o assunto com o qual tenho mais cuidado em fazer piadas. Não que o considere tabu, mas talvez porque me lembre que é quase certo que o terei presente na minha vida, seja num dos meus órgãos ou num dos entes que me são queridos. Acho que quando o assunto é sério é quando devemos ter mais respeito, não pelo tema em si, mas pelo humor que se faz à sua volta. Uma piada sobre sapatos pode ser fraca, uma piada sobre cancro tem de ser boa. Primeiro, porque quem sofre dele merece um esforço adicional da parte de quem faz piadas; depois, porque o cancro merece que lhe esfreguemos na cara que nos pode levar pessoas queridas ou o cabelo, mas que não nos pode levar a alegria e vontade de rir. Não tem a ver com respeito especial pelas pessoas que têm cancro, pois respeito da mesma forma uma pessoa que está a morrer de cancro e uma pessoa que está a morrer de pneumonia e não é por aí que não vou fazer piadas com espirros e expectoração.
Brincar com o cancro é brincar com a morte e brincar com a morte é brincar com os nossos próprios receios. Quando me surge uma piada sobre cancro, no fundo, estou a fazer uma piada sobre o meu medo de o ter e morrer dele. O cancro não tem piada, por isso é que existem piadas com ele. Se estar doente, magro, com cabelo a cair e a vomitar da quimioterapia tivesse piada, não eram precisas piadas com o cancro: um gajo ia ao IPO e ria-se um bocado. Como é o oposto, é preciso fazer humor com esses temas para nos aliviarmos todos, um bocadinho, do medo.
Dia 21 de Março, no cinema S. Jorge, em Lisboa, vejo-me obrigado a fazer piadas com o cancro no evento MORRER A RIR que será aquilo a que se chama de “Comedy Roast”: um painel de pessoas, humoristas ou não, são convidados a dizer as suas piadas mais ofensivas sobre uma pessoa ou um tema. Atenção que não são ofensas, são piadas que têm por base uma ofensa, ou seja: têm de ter piada e fazer rir. Como o cancro não pode estar presente, porque está ocupado a matar uma data de gente, o Tiago vai dar o corpo às balas, ou às piadas, neste caso. Aliás, foi o Tiago que organizou isto. Antes de começarem já aí a pensar que o Tiago é uma besta insensível que quer brincar com assuntos sérios, deixem-me dizer-vos que o Tiago tem menos de 30 anos e tem cancro. Quanto cancro? Bastante cancro. Cancro familiar que dava para várias pessoas, mas tem-no só para si. Diz ele, na verdade nunca vi os exames e pode estar a inventar isto tudo como pretexto de ter um evento em sua homenagem.
Como o Tiago é ávido consumidor de comédia, mal soube do diagnóstico pensou em fazer este roast com alguns dos seus comediantes favoritos e como um deles se cortou, convidou-me também a mim. Depois, quando soube do prognóstico, decidiu apressar-se porque percebeu que está naquela fase que fazer planos para a passagem de ano pode ser desperdício de tempo. Está naquela fase em que se numa entrevista de emprego lhe perguntam “Onde é que se vê daqui a 5 anos”, a resposta dele é “Lá em cima” e o recrutador diz “No 7º piso? Como administrador em apenas 5 anos?” e ele “Não, morto e, se Deus quiser, no céu”. O Tiago, provavelmente, vai morrer de cancro. No entanto, nunca vai perder a luta contra ele. O Tiago já ganhou, aconteça o que acontecer, porque o cancro está a atacá-lo com tudo, mas para o Tiago são só cócegas. A juntar a este estado de espírito e incrível fair-play e vontade de levar a vida a rir, ainda se lembrou de doar todo o dinheiro da bilheteira ao IPO. Burro, se fosse comigo era para comprar todo o tipo de drogas e andar sempre na companhia de duas moças voluptuosas, mas ele é que sabe o que o faz sentir melhor.
Portanto, se acham esta iniciativa nobre e querem ajudar o IPO, podem comprar o vosso bilhete aqui. Se acham uma iniciativa de mau gosto, podem comprar o bilhete na mesma e ir lá apupar todas as piadas que se fizerem com cancro que, assim, ao menos, ajudam alguma coisa e têm mais legitimidade para ficar ofendidos.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
É comprar bilhetes para o Morrer a Rir.
Uma bonita entrevista ao Tiago.
O Diogo Faro, claramente tem uma máquina do tempo e viajou ao futuro para me plagiar o tema desta crónica, como podem ler aqui. Isso, ou combinámos fazer os dois para ajudar a encher o S. Jorge.
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