Fui prudente quando, em 2003, afirmei que, na altura, a Internet era um complemento ao FM. Não me enganei. Catorze anos depois, a Internet ainda complementa as emissões em FM, com este sistema de distribuição a dominar a forma com os operadores transmitem as suas emissões e nós as escutamos. Usamos a Internet quando o FM não está disponível. As gerações mais novas usam principalmente a Internet e, quando esta não está disponível, não ouvem rádio. Não consideram a possibilidade do velho aparelho de rádio e já não compram aparelhagens. Usam o computador e o telefone, ao qual juntam uma(s) coluna(s) para ouvirem a sua música: os ficheiros Mp3 armazenados no dispositivo ou em streaming, através do YouTube ou Spotify.
Enquanto escrevo, uma notificação de um serviço de notícias indica que a música de Prince está agora disponível em todos os serviços de streaming de música (Napster, Spotify, Amazon Music, Apple Music, iHeartRadio). No dia em que outros músicos lhe prestam tributo abriu-se a caixa de Pandora para o músico que tentou, por todos os meios, controlar o fluxo da sua música, mesmo sabendo que, na Internet, tal parece ser (quase) impossível. Algo semelhante acontece à rádio, que não quer perder o controlo daquilo que se entende por radiodifusão, mesmo sabendo que o mundo mudou e, com ele, os conceitos associados. Os operadores estão atentos à mudança, mesmo que esta demore a ser implementada. A palavra e o seu significado é o que impede a rádio de se transformar mais rapidamente, mantendo-se aparentemente imutável, focada nos formatos testados, na repetição musical e na suposta relação de proximidade com os ouvintes. A rádio é, para alguns, a velha companhia à qual não renunciam, enquanto para outros é apenas uma companhia que lhes passa a ser útil quando começam a conduzir, e apenas quando estão no carro. Por isso, que lugar para a rádio quando passar a ter apenas este pequeno momento de relevância?
Quando penso no futuro, penso sempre na velocidade de renovação do parque automóvel, da penetração da internet e dos smartphones. Se é nos momentos em que conduzirmos que mais ouvimos rádio, então o carro tornou-se num parceiro determinante para a rádio, certo? Que lugar para a rádio quando entrarmos no nosso veículo e o smartphone se conectar automaticamente ao auto rádio, que já não será um aparelho como o conhecemos, mas antes uma espécie de mini computador com um ecrã táctil ligado à internet? O futuro não está longe porque estes carros, auto-rádios e smartphones já existem. Contudo, o limite de dados no acesso à internet restringe a sua utilização, pelo que muitas pessoas regressam à rádio. Mas também há os que descarregam os seus podcasts preferidos - muitos deles programas de rádio disponíveis neste formato - em ambiente wireless para os ouvirem nas suas deslocações, através do smartphone. No carro ou nos transportes públicos, a rádio não perde, apenas se transforma. Não é este o princípio básico de Lavoiser? Na rádio também nada se perde e tudo se transforma…
Paula Cordeiro é, entre outras actividades consideradas (mais) sérias, autora do Urbanista, um híbrido digital que é também uma aplicação para smartphones. Baseado em episódios diários, o Urbanista é um projecto para restaurar a auto-confiança perdida e denunciar o preconceito social. Na verdade, os vários preconceitos sociais (raça, género, orientação sexual e outros difíceis de catalogar), embrulhados num estilo de vida saudável, urbano e divertido.
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