A “House of Cards” de Westminster está em efervescência. As manobras passam pela batalha em curso nos bastidores em torno da sucessão — que não se sabe se pode ser adiável por muito mais tempo — de Boris Johnson na chefia do governo britânico.
O atual ministro do Tesouro e das Finanças, Rishi Sunak, 41 anos, originário do Punjab indiano, formado em Oxford e Stanford, e a carismática 46.ª ministra britânica dos Negócios Estrangeiros, Liz Truss, são máximos aspirantes ao trono de Boris Johnson. Ela aparece como a herdeira da Dama de Ferro Margareth Thatcher, hostil ao muito peso do Estado na economia britânica. Sunak, antigo banqueiro de Goldman Sachs surgiu ao lado de Boris Johnson como hiper-ativista do Brexit, quer o mercado a comandar a economia e já mostrou que a política verde não é, até ver, prioridade.
Há que não menosprezar o extraordinário instinto de sobrevivência de Boris Johnson. Mas a última vida política dele está por um fio. Esse fio só resiste porque muitos conservadores estão ainda céticos sobre as alternativas, em especial sobre Sunak. A cidade de Londres elegeu um mayor, Sadiq Khan, trabalhista filho de migrantes paquistaneses e a maioria na capital está satisfeita com ele. Mas muitos dos que que mais influenciam a decisão no Partido Conservador receiam que um primeiro-ministro com origem no Punjab e casado com uma das mulheres mais ricas da Índia não seja o perfil ideal para conservar os ex-votos trabalhistas do centro e norte de Inglaterra que Boris Johnson atraiu.
O facto de algumas das fotos que apareceram nos jornais da “party” mais proibida na residência oficial do primeiro-ministro ter sido tirada de uma janela da casa do lado, a de Sunak, contribui para aumentar dúvidas.
No meio de tudo isto, os dirigentes do Partido Trabalhista exultam com as sondagens que lhes dão inéditos (desde o tempo de Tony Blair) dez pontos percentuais de avanço sobre os conservadores (Labour, 42%; Tories, 32%; LibDem, 11%), festejam a previsão de queda de Boris Johnson mas inquietam-se com o que vai trazer a próxima liderança conservadora. Talvez não seja boa notícia para os trabalhistas esta queda rápida do desacreditado Boris.
O facto de em fevereiro começar a prevista celebração do Jubileu da rainha Isabel II leva a que haja nas lideranças britânicas vontade de sair depressa deste folhetim com enredo deprimente recheado por histórias que envolvem, umas um príncipe, outras o primeiro-ministro
Andrew Mountbatten-Windsor, segundo filho da rainha Isabel II, acaba de perder o título de Sua Alteza Real e as honrarias decorrentes da designação de príncipe, por decisão fulminante da mãe ao saber que ele iria ser julgado em tribunal. Este André não se lembra de se ter relacionado com a mulher que o acusa de a ter usado como objeto sexual quando ela tinha 17 anos.
O primeiro-ministro imaginava que uma festa com queijos, vinho e dança, que patrocinou na residência oficial no n.º 10 de Downing Street, poderia ser uma reunião de trabalho. Talvez até pudesse ser. Mas não calha bem uma celebração assim no dia em que o Reino Unido está em luto oficial pela morte do marido de sempre da rainha e num tempo em que o mesmo primeiro-ministro ordenava aos cidadãos que permanecessem em casa e lhes recomendava que não fossem visitar familiares ou amigos hospitalizados e até que evitassem funerais.
É assim que aquele Boris que parecia ter na arena política mais que as sete vidas dos gatos está agora altamente vulnerável. Sabem-no os adversários, os ex-aliados e os amigos. Perdeu a aura BoJo (Boris Johnson) que o tornou popular.
Foi constrangedora a postura de Boris Johnson ao ser interpelado no parlamento de Westminster. Parecia a criança que se portou mal e que sabe que não escapa ao castigo. Uma deputada perguntou-lhe se se recordava não dos dias em que teve festa em casa mas dos dias em que não houve. Alguns dos deputados conservadores não conseguiram evitar o riso, muitos estão de facas políticas afiadas para se verem livres dele.
Para muitos dos quase 14 milhões de eleitores que em 12 de dezembro de 2019 lhe deram 365 deputados, 39 acima da maioria absoluta, era claro que o voto em Boris Johnson se prestava a surpresas. Deixaram-se levar por aquele ar meio despistado da personagem capaz de dizer com graça coisas que agradam. Os britânicos raramente perdem o sentido de humor. Exceto quando sentem que envolve perda do decoro e do respeito essencial perante instituições solenes como a rainha e o parlamento.
Um jornalista veterano que foi editor de Boris Johnson quando este era cronista no Daily Telegraph escreveu no fim de semana: “Estou assombrado com as críticas ao primeiro-ministro. Boris Johnson é o homem que sempre foi, infalivelmente fiel a ele próprio e mentiroso com os outros. As pessoas que agora o condenam são as mesmas que o puseram no n.º 10 de Downing Street, talvez por ignorarem a degradação moral que isso implicaria”.
Neste momento, falta saber se Boris se demite ou se como aconteceu a André que era príncipe, é remetido para uma espécie de exílio interno, banido de qualquer “party” oficial.
O que parece incontornável é que este primeiro-ministro fique mais conhecido pelas festas proibidas com vinho, queijos e danças no n.º 10 de Downing Street do que por ter sido a locomotiva que instalou o Brexit. Isso não significa que fique proscrito para sempre: Berlusconi era o primeiro-ministro italiano das festas bunga-bunga e agora há muitas movimentações (mas também muitas muralhas) para o levarem a Presidente da República em Itália, cargo tradicionalmente assumido por personalidades respeitáveis e admiradas como Sandro Pertini, Giorgio Napolitano e o atual, Sergio Mattarella.
Mas o Reino Unido não é Itália, além de que há um dado a ter em conta nesta “House of Cards” britânica: tal como no último 007, “No time to die”.
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