As eleições espanholas deste domingo apontam-nos 10 constatações relevantes:
1. A esquerda recuperou muito da representação que em 2011 tinha perdido para a direita. Há quatro anos, o PP alcançou 186 deputados e ficou com a folga de 10 eleitos dentro da maioria absoluta (176), perante 110 deputados do PSOE. Agora, as duas partes políticas aparecem quase igualadas: o somatório da metade direita, formada por PP e Ciudadanos, vale 163 deputados, 10,7 milhões de votos e 42,65% dos sufrágios, enquanto a metade à esquerda, com PSOE, Podemos e Esquerda Unida soma 161 deputados, 11,6 milhões de votos e 46,34% de todos os votos. A direita está a 13 deputados da maioria absoluta e a esquerda a 15. A direita parece mais perto mas a esquerda tem cenários mais plausíveis, à cabeça com os reforçados partidos nacionalistas da Catalunha e do País Basco.
2. Para além do ajuste que empata esquerda e direita, verifica-se que o princípio de vasos comunicantes funciona dentro de cada bloco ideológico na transferência de voto dos partidos tradicionais para os emergentes: o colapso de votos sofrido pelos dois partidos que eram hegemónicos é acompanhado pela poderosa subida dos novos partidos: o PP perde 63 deputados mas Ciudadanos surge com 40; o PSOE cai 20 deputados mas Podemos irrompe com 69.
3. Podemos, o partido nascido há dois anos e meio a partir do movimento de cidadãos indignados, é o grande ganhador nestas eleições: parte do nada em 2011 para captar agora 20,7% dos votos e, com 69 deputados, irromper no parlamento com a força de um vendaval. Quase metade do voto à esquerda em Espanha preferiu Podemos ao PSOE. Podemos é o primeiro partido na Catalunha e o segundo em Madrid, Valencia, Galiza, País Basco, Navarra e Baleares.
4. Ciudadanos também é um ganhador mas sofre a decepção de falhar a ambição de aparecer como alternativa. As sondagens chegaram a colocar este partido liberal no segundo lugar das preferências espanholas tornam modesta a representação em quarto lugar, com apenas 13,9% dos votos e 40 deputados. Ciudadanos perde o duelo com o rival Podemos e não consegue encostar-se ao PSOE. Albert Rivera fracassa ao não conseguir ter nas mãos a chave da governabilidade. Muito abaixo das expectativas.
5. O PP é o partido mais votado mas tem uma vitória tão curta que faz dele um perdedor. Após quatro anos de governação, apesar da propagandeada retoma da economia mas que não chega para vencer o desemprego e tirar muitos da pobreza, o PP cai de 44,05 para 28,71 por cento. Teve 10,8 milhões de votos em 2011, somou agora 7,2 milhões. Ao perder 3,6 milhões de votos e 15 pontos percentuais sofreu um descalabro mais devastador que o da coligação PSD/PP em Portugal, que nos mesmos quatro anos perdeu 12 pontos percentuais. Valência, governada pela esquerda, agora deu o primeiro lugar a Rajoy que também ganhou no feudo madrileno.
6. O PSOE baixa mas aguenta-se e ganha às sondagens. Perde milhão e meio de votos ao receber apenas 5,5 milhões de sufrágios, mas as sondagens anunciavam risco de maior descalabro. Beneficia da baixa expectativa em volta do momento do partido e da sua liderança. Pedro Sanchez também beneficia da posição privilegiada de – tal como aconteceu com António Costa, em Portugal – ser o único líder que pode proporcionar ao PP um pacto para governar (parceria que o PSOE parece excluir) e ao mesmo tempo poder liderar uma convergência de esquerdas e nacionalistas para formar governo em Madrid (cenário que tem algumas possibilidades de vir a ganhar impulso). O PSOE confirma-se como partido dominante na Andaluzia, mas é terceira força na Catalunha e quarta em Madrid.
7. Os independentistas catalães entram de rompante nas Cortes de Espanha: passam de 3 para 17 deputados. A radical Esquerda Republicana (ERC) passa de 3 para 9 deputados e os centristas dos Democratas Liberais (em guerra política total com o PP) somam 8. São 17 deputados dispostos a negociar soluções com a esquerda (mas o PSOE é inflexível com os independentistas) e que barrarão o caminho à direita.
8. Os bascos escolheram Podemos como a força mais votada, mas só conseguiu eleger cinco deputados, enquanto os centristas PNV com menos votos elegem 6 deputados. Estes seis deputados também podem ser decisivos para o jogo de maiorias em Madrid. A esquerda extremista EH Bildu perde 5 dos 7 deputados que tinha em Madrid, o que também mostra que os vestígios da ETA chegam ao fim. O PSOE segura três deputados e o PP dois no País Basco.
9. A coligação comunista Esquerda Unida (IU) fracassa ao cair de 11 para apenas dois deputados, ambos eleitos por Madrid. O líder Alberto Garzón queixa-se da lei eleitoral que leva a que, apesar de com um milhão de votos em toda a Espanha, a IU só eleja dois deputados.
10. O voto negativo tende a ser determinante nas novas Cortes de Espanha. Este quadro mete num labirinto a formação do próximo governo em Espanha: o PP é o partido com mais deputados mas enfrenta o muro de 176 votos negativos (90 PSOE+ 69 Podemos + 17 independentistas catalães) que torna inacessível a maioria para governar.
É assim que o PSOE está no fulcro das soluções: tanto pode resolver tudo numa grande coligação com o PP (cenário altamente improvável), como pode tentar formar uma coligação de esquerdas com nacionalistas mas, neste caso, há linhas vermelhas que não parecem, por agora, ultrapassáveis. Mas não é de excluir que a Espanha venha a tornar-se, no quadro político, um enorme Portugal. Também não será uma surpresa se os espanhóis voltarem a votos já dentro de alguns meses e com mudanças na liderança dos partidos tradicionais, sobretudo no PP. Por agora, há ilusão, entenda-se ânimo novo, entre muitos que andavam desapegados da discussão de ideias para o governo de Espanha.
Para consulta dos resultados eleitorais em Espanha, clicar aqui.
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