A telenovela Sócrates dura há demasiado tempo. E toda a gente sabe que o pior de uma telenovela, mesmo uma com mau enredo, é se o final não é feliz. Esta semana, no debate parlamentar, Rui Rocha (IL) alertou para a possibilidade de um final que pode não satisfazer os eleitores. Em causa está o governo - escorpião -, a lei sobre distribuição eletrónica de processos judicias, e a portaria que a regulamenta, mas que o governo ainda não publicou. Passaram 587 dias, embora a lei previsse apenas 30 para essa publicação. Não é "só" mais um caso de burocracia e atrasos entre a política e a justiça, é que há milhares de processos em risco de prescrever e um deles é uma das telenovelas mais acompanhadas do país: a Operação Marquês.
Rui Rocha incitou o tema: “O senhor primeiro-ministro quer correr o risco de que os portugueses pensem que é propositado?”. António Costa não sentiu que a carapuça lhe servisse e respondeu apenas com um “muito em breve”. Pela resposta podemos bem sentir que o veneno do escorpião não está longe de nos picar: ficámos sem data, sem justificação e com milhares de casos em risco de prescrição. Nomeadamente, o do ex-Primeiro-ministro cujo desenlace os portugueses aguardam.
Não há explicação para que uma lei aprovada em outubro de 2021, e que impõe que todos os juízes sejam escolhidos por sorteio eletrónico, em março de 2023 não tenha sido ainda regulamentada. O que está em causa é que a falta de regulamentação faz com que nos tribunais de primeira instância ainda não esteja a funcionar esta lei. E sempre que um juiz é escolhido para o caso Operação Marquês, a defesa do ex-Primeiro-ministro usa dos mecanismos que estão ao seu dispor para interpor sucessivos recursos a pedir o afastamento do magistrado, por a distribuição não estar de acordo com a lei. Isto atrasa qualquer evolução no processo, e acontece que os crimes de falsificação de documentos prescrevem já em 2024, podendo estes atrasos hipotecar qualquer chegada a uma decisão final.
Este tema já tinha sido abordado no congresso de juízes, e agora foi trazido a público. Já bastam no país os atrasos da justiça, não precisamos que os atrasos da política os agigantem. O Governo não pode insurgir-se contra as insinuações trazidas pelo Iniciativa Liberal. Principalmente com a resposta evasiva de António Costa e depois de a Ministra da Justiça ter apenas dito que a publicação estaria para “antes do verão”. É que ainda agora começou a primavera.
Esta semana o Presidente da República ouviu o coaxar do país e finalmente disse a que lhe sabia o melão. Pelos vistos, Marcelo também chegou à conclusão que a fruta até pode ser “grande”, mas não resolve o problema da habitação no país. Assim, o Sapo desta semana é Marcelo Rebelo de Sousa (ou seremos todos nós?), que não tem poupado críticas ao governo, e cujo clima de animosidade com o Primeiro-ministro tem crescido à frente de todos, com recados trazidos e levados pelos jornalistas.
Marcelo referiu-se ao pacote Mais Habitação como “lei cartaz” e não quis deixar dúvidas a quem não tivesse percebido o que queria dizer. "Na aprendizagem que fazíamos da feitura das leis, havia as chamadas leis cartazes. Leis cartazes são aquelas leis que aparecem a proclamar determinados princípios programáticos, mas a ideia de base não é que passem à prática”. E explicou: "No curtíssimo prazo, é um polo de fixação por aquilo que promete. No virar da esquina, convertida em inexequível, significa que se levantaram expectativas que se frustram instantaneamente."
António Costa, que foi seu aluno, certamente percebeu a indireta. Para quem ande mais distraído até pareceu uma resposta direta à crítica que o Primeiro-ministro lhe tinha feito, depois da entrevista que tornou públicas as tensões entre os dois. “A razão pela qual prefiro funções executivas a outras funções políticas é que nas outras funções fala-se, fala-se, fala-se, mas no executivo ou se faz ou não se faz e a medida do que se faz está nos resultados”, disse Costa.
Mas entre recados, o Presidente não deixou espaço a interpretações. Para o mais alto magistrado da Nação, o pacote é “inoperacional” e fez as perguntas que muitos dos portugueses ainda não viram respondidas: "Quanto é que custa para o Estado; quantas famílias abrange; quais os efeitos; quanto tempo demora a produzir efeitos; aquilo que tem pés para andar e aquilo que não tem pés para andar.”
É que o que é certo, é que estamos a ouvir falar de habitação há pelo menos um mês. Mas vivemos o problema há já muitos anos, e desta vez nem o Primeiro-ministro otimista animou os portugueses. Contudo, o Presidente realista resumiu bem a questão, “era preferível não ter levantado as expectativas, pois existindo um problema real e sendo a aparente solução inexequível, era melhor não termos falado nisso".
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