O escorpião desta semana não só espalhou veneno como o fez à frente do país, sem gaguejar e com sotaque francês. Christine Ourmières Widener pôs a nu a forma como a TAP tem sido gerida pelo Governo. Ou deve dizer-se, como a companhia aérea do PS tem sido gerida pelo governo de maioria socialista? Muito se tem criticado Pedro Nuno Santos, e o seu silêncio, desde a Comissão de Inquérito à ex-CEO. Mas se não fosse o ex-ministro socialista ter contratado a gestora francesa, não só a companhia não teria dado lucro, como continuaríamos a desconhecer o desgoverno e as “promiscuidades” da gestão da aérea portuguesa.
A questão do despedimento da CEO tornou-se um pormenor no meio do que foi revelado pela própria. Se havia portugueses que defendiam obtusamente a privatização, e outros que se opunham militantemente a essa decisão, depois desta comissão de inquérito o país pede um mínimo de uma gestão sem abusos de poder. É certo que o Presidente da República já negou ter pedido para mudar o voo de Moçambique, mas continua-se sem saber então quem o terá feito em seu nome. Contudo, a pergunta da CEO, e a resposta do Secretário de Estado, estão à vista de todos. E o pecado, não é só usar a gestão de uma empresa pública para a manutenção dos lugares de governação e a boa relação entre poderes, é o simples facto de estar criado um ambiente em que há espaço para que a pergunta seja feita. E que o sentimento de impunidade seja tal, que não haja medo de o pôr por escrito. Importa lembrar que se trata do mesmo Secretário de Estado que ajudou a TAP a responder aos esclarecimentos por si próprio pedidos. Num híbrido nunca antes visto de incorporação de regulador e regulado.
Também Galamba, já veio dizer que foi Widener que pediu para participar na reunião do grupo parlamentar. A já conhecida como “reunião secreta”, que segundo Rui Rocha (IL), revela “uma situação de promiscuidade intolerável que viola todos os princípios éticos.” Os liberais apressaram-se a exigir várias demissões no governo, por seu lado o PSD exige esclarecimentos. Também o PCP e o BE apelam a que se assumam as responsabilidades e se acabe a cultura de “secretismo”. E o Chega pede explicações.
Mais uma vez, ainda que haja uma vergonha alheia e um mal estar geral depois do que foi dito naquela Comissão de Inquérito, por uma mulher que não teve problemas de memória, nem se recusou a responder aos factos, é importante perceber que saíram também reforçados os processos democráticos e a utilidade das Comissões de Inquérito.
Se no início da semana António Costa havia dito, e bem, que “o país nunca fica pior sabendo a verdade, doa a quem doer”, não podemos deixar de nos questionar como estará a saúde do Primeiro Ministro. É que entre os contribuintes, que viram como foram gastos os seus 3 milhões e duzentos mil euros, e o Primeiro Ministro, não se sabe quem precisa mais de analgésicos.
Alexandra Reis, o sapo desta semana, também foi questionada pelos deputados na sua própria Comissão de Inquérito. Defendeu a honra, apelou à sua própria ingenuidade e candura. Mas não o suficiente que nos faça esquecer que depois da indemnização que recebeu da TAP - ou devemos dizer de todos nós? -, não poderia nunca ter aceitado um lugar no Governo. Ou, pelo menos, quando começarmos a esquecer-nos disso devemos forçar-nos a lembrar. A memória curta do país tem sido a ignição para a repetição de casos como este.
Mas, mais uma vez, também o depoimento de Alexandra Reis faz do caso TAP um dos maiores enredos de suspense. À medida que os envolvidos vão prestando declarações, a nossa empatia com o protagonista muda, e tão depressa são os heróis, como os vilões. Só as vítimas se mantêm: os portugueses e os seus impostos. Durante esta última comissão de inquérito foi, por exemplo, impossível não nos questionarmos se não estaria tudo melhor sem que esta tivesse sido demitida, e não apenas por causa da indemnização.
Alexandra Reis explicou que já tentou devolver a malfadada indemnização três vezes, ainda que discorde do parecer do IGF, mas que das três vezes não teve sucesso. Deixou ainda dúvidas na relação que tinha com a CEO da TAP, ou que a CEO da TAP tinha com ela. Quanto à relação que teve com a mulher de Medina foi perentória; era boa e chegou a ter reuniões com Stéphanie Silva. Revelou ainda que a ex-CEO a pressionou a demitir o motorista, que havia denunciado o uso abusivo do carro da empresa por Widener e os seus familiares.
Este é mais um caso que em bom português se poderia resumir numa frase: “zangam-se as comadres, sabem-se as verdades”. E as verdades trazem luz às mentiras de outros, é que segundo a indemnizada pela TAP, Pedro Nuno Santos e Hugo Mendes sabiam de tudo, mesmo que tenham garantido o contrário. Mais uma vez corrijo; não são mentiras, é “evolução de pensamento”.
É certo que ficámos a saber muito da TAP e da ingerência do Governo na sua gestão. Mas, pior, ficámos também com a noção coletiva de que este é só o principio, e que ainda há muito que desconhecemos.
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