Com boa disposição e um grande sentido de responsabilidade, Edgar chega à horta todos os dias às 8h00 para regar as plantas — uma pequena atividade, mas que trouxe um propósito a quem sentia que todos os dias não passavam do mesmo.

"Eu considero um privilégio regar aqui os nossos canteiros. É para acordar bem, faz uma pessoa ficar logo bem disposta", conta o utente da ala de psiquiatria forense do Hospital Júlio de Matos ao SAPO24.

Depois das escolas, bairros e prisões, a Upfarming atinge agora a meta dos hospitais, sendo o Hospital Júlio de Matos o primeiro a receber a presença da ONG. Aqui, o projeto "Recultivar: semeando a reabilitação mental" instalou uma horta vertical, que visa a reabilitação mental e a reintegração profissional de 44 utentes.

O projeto-piloto conta com o financiamento do BPI e da Fundação "la Caixa" e junta a sustentabilidade e a saúde mental para responder aos desafios sociais, enfrentados por esta população duplamente estigmatizada — por ter cometido um crime e por sofrer de uma doença mental.

"Antes da horta, as atividades que tínhamos aqui dentro eram poucas. Isto é uma mais-valia para nós", explica Edgar, que encontrou na horta vertical não só um novo hobbie, mas também uma visão de futuro.

"Eu não tinha nenhumas bases agrícolas. Tudo o que sabia era de ver os meus avós a semear nos campos, antigamente. E agora adquiri novas bases, que posso utilizar no futuro, se quiser ter uma horta ou trabalhar numa estufa", conta, enquanto mostra, detalhadamente, todos as técnicas que aprendeu desde que iniciou o projeto, em março.

É também o caso de Hugo, utente na mesma unidade, que vai mais longe e diz mesmo ver-se, futuramente, a tirar um curso de agricultor, trabalhar como jardineiro, ou até na própria Upfarming.

"Eu gosto muito de tratar das plantas, de colher, e especificamente de cuidar da rega", conta ao SAPO24, entre sorrisos.

Hugo tem um grande cuidado com a horta que construíram e, em poucos meses, decorou cada processo do ciclo das plantas, desde a plantação à compostagem.

"Eles têm uma memória muito boa e conseguem decorar e perceber facilmente todas as tarefas. São pessoas muito interessadas e têm dado uma dedicação fora daquilo que é normal ver", diz André Maciel, agricultor urbano e fundador do projeto Hortas_lx, ao SAPO24.

Um dos parceiros da Upfarming, André é responsável por coordenar a horta horizontal em permacultura, uma das práticas mais sustentáveis para produzir alimentos para auto-consumo.

"Estamos a ensinar estes utentes a serem autossustentáveis. É uma satisfação enorme vê-los a participar desde o zero até esta fase, em que temos a horta lindíssima e a produzir imenso."

Com a ajuda de André Maciel, os utentes aprenderam também a criar um ecossistema e o que é a biodiversidade. Segundo o formador, a tarefa foi fácil, uma vez que houve um "grande interesse" desde o início.

"Eles criaram um vínculo, de uma forma muito simples, com tudo o que faz parte da alimentação e cuidar da natureza. Não foi uma tarefa difícil, porque eles estavam mesmo muito entusiasmados."

Madalena Aires Horta, gestora do projeto da Upfarming no Hospital Júlio de Matos, acredita que é importante "aproximar públicos que geralmente estão afastados do debate climático", diz, questionada pelo SAPO24 sobre a importância da saúde mental caminhar, lado a lado, com a sustentabilidade.

"Estão aqui vários utentes fechados durante vários anos, então é importante trazer este olhar atento sobre a natureza. A maneira como nos sentimos quando colocamos as mãos na terra e observamos o ciclo de vida de uma planta que nasce e acaba é uma ferramenta que pode ajudar neste contexto terapêutico", explica.

Além disso, o projeto tem ainda uma parceria com o Centro Protocolar de Justiça, que atribui formações certificadas.

"Vamos ter dois módulos, um de competências pessoais e sociais, e outro de produção e agricultura sustentável. Os utentes que participarem não só recebem uma bolsa horária como recompensa, mas também ficam com uma formação que lhes pode servir na transição da saída para poderem arranjar trabalho na área."

Projeto
Projeto créditos: Pedro Ruas

João Oliveira, diretor do Serviço Regional de Psiquiatria Forense, afirma que é "essencial" existir a participação de estruturas fora do SNS dentro das unidades que pertencem ao SNS, uma vez que os fundos são limitados.

"Muitas vezes só é possível o foco em doenças agudas e, às vezes, esta segunda fase do tratamento, mais a médio ou longo prazo, fica a cargo de instituições particulares ou instituições do âmbito social. Portanto, do ponto de vista dos hospitais e dos profissionais, isto é sempre muito bem-vindo e também nos permite trabalhar em aspectos, neste caso, da psiquiatria, que são essenciais e que normalmente não temos essa oportunidade", diz ao SAPO24.

O diretor, que esteve presente na inauguração do projeto, explicou também de que forma é que o projeto pode ajudar nas alterações comportamentais dos utentes, juntamente com a reabilitação criminal.

"O próprio contacto com a natureza está associado a uma melhoria dos indicadores e das alterações comportamentais. Por outro lado, o trabalho em equipa, o sentido de pertença e de estar a contribuir para a sociedade é um dos tipos de intervenções mais utilizadas."

A ideia partiu de Sérgio, um terapeuta ocupacional na unidade de psiquiatria forense do hospital, que dinamizava os espaços verdes e decidiu contactar a Upfarming.

Através de uma candidatura à Fundação "la Caixa", a organização não-governamental ganhou o prémio "Capacitar", que levou à implementação do projeto.

José Pena do Amaral, membro da Comissão Executiva do BPI, esteve presente na inauguração, a representar a fundação que atribuíu o prémio à Upfarming. "Há poucos projetos que se insiram tão bem no propósito destas candidaturas", disse.

Em tempos em que tanto se fala sobre saúde mental, justiça e clima como crises separadas, projetos como este mostram que a resposta pode estar justamente na colaboração. Cultivar uma planta é um pequeno gesto — mas para estes utentes é um primeiro passo para voltar a florescer.

No coração do Hospital Júlio de Matos, uma horta vertical está a mudar rotinas e a (re)plantar esperanças. Com o projeto “Recultivar”, a ONG Upfarming une saúde mental, sustentabilidade e reinserção profissional num só espaço verde.