Crónica o sapo e o escorpião — imagens finais
créditos: MadreMedia

É certo que, neste momento, qualquer coisa que Costa diga acerca das chamadas da noite de 26, acabará a sacrificar um dos seus, ou o Ministro ou o Secretário de Estado. Mas à falta de uma decisão salomónica, o Primeiro-ministro votou-se ao silêncio e é capaz de ser isso que o faz afundar.

Quarta-feira, António Costa foi ao Parlamento, como era esperado. Mas não à Comissão Parlamentar de Inquérito à TAP, como era pedido. As perguntas dos deputados foram directas e repetidas. As evasões de António Costa foram eficazes, mas confusas. E quem anda a assistir a tudo, à espera de respostas, ficou sem saber se foi mesmo Mendonça Marques que sugeriu que fosse o Ministério das Infraestruturas a mobilizar o SIS. Mas, contudo, também não se ficou com a certeza de que o Secretário de Estado Adjunto não o tenha feito. A vontade de Costa fugir às perguntas era tanta que conseguiu trazer mais confusão à mesa, a um caso que de simples não tem nada. A certa altura chegou a conseguir envolver o Presidente da República, para de seguida emendar a mão.

Era uma vez um escorpião que pediu a um sapo que o ajudasse a atravessar um rio. O sapo recusou, pois o risco de ser picado pelo escorpião e de morrer na travessia era grande. O escorpião, todavia, garantiu-lhe que isso não iria acontecer — ou não fosse fatal para o próprio, que não sabia nadar. O sapo acedeu, o escorpião apanhou a boleia e... finaram-se os dois a meio do caminho. Moral? Por vezes é mesmo difícil escapar à nossa natureza.

Depois de um ano de conversas entre Isabel Tavares e uma série de políticos, analistas e especialistas da nossa praça sobre os temas que marcaram a atualidade em 2022, a fábula serve agora de mote para uma rubrica onde se olha para a atualidade procurando saber quem foi sapo e quem foi escorpião da semana que passou.

E o Primeiro-Ministro pode dizer as vezes que quiser que se tratava "de uma operação meramente corriqueira e que, em regra, o SIS não informa o Primeiro-Ministro das operações antes de serem realizadas", que todos sabemos que em causa está saber quem informou o SIS. E não quem o SIS informou.

Costa pode desvalorizar e pedir para não se entrar "nos pormenores das horas e das horinhas", que todos sabemos que é aí que têm residido muitas das incongruências. E, por fim, o líder socialista até pode continuar a dizer que os jornalistas é que "baralham um pouco de tudo", que não é por isso que alguém fica menos baralhado com o que se está a passar.

No debate parlamentar, das perguntas que não fugiu, António Costa conseguiu esquivar-se. Disse já ter visto muitas vezes reuniões preparatórias, ignorando o que está realmente em causa. E defendeu a manutenção da equipa do SIS. Às perguntas que mais o incomodavam respondia, contra-atacando, com o "vírus do populismo". Nem Rui Tavares, conhecido pela sua cordialidade parlamentar, escapou e foi acusado pelo Primeiro-Ministro de estar a ser influenciado pela extrema-direita. É que normalmente o populismo não anda sozinho.

O silêncio de António Costa não foi só em relação a Galamba e a Mendonça Marques. Também o caso Tutti-Frutti, que junta Medina e Duarte Cordeiro. obteve do Primeiro-Ministro o mesmo tratamento. Fugas e desvalorizações. Já se sabe que António Costa tem o mantra de atribuir "à justiça o que é da justiça, e à política o que é da política". Mas politicamente tem faltado o juízo de António Costa. Neste caso, não só não condenou, como disse manter a confiança política "em todos os Ministros".

Para Costa tudo isto são "rodriguinhos", tem desvalorizado a gravidade da sucessão de casos dos últimos tempos. E, mais uma vez, quarta-feira ensaiou uma fuga para a frente e quis refocar o discurso na economia do país. Mas o país sabe que só há economia saudável, depois de se por ordem na casa e essa está a ficar muito degradada.

Crónica o sapo e o escorpião — imagens finais
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Cavaco Silva voltou a falar e, à semelhança do que costuma acontecer, o país calou-se para o ouvir. Numa picada letal só, acusou o Governo de ser incompetente, mentiroso e hipócrita e de usar recursos do Estado para mexer em causa própria. O escorpião desta semana tem a capacidade de de cada vez que fala pôr todos a degladiar-se e a usar as suas farpas como armas. Desta vez não foi diferente.

Depois da intervenção de sábado, de Cavaco Silva, todos acharam que este escorpião tinha envenenado a maioria socialista. E, pelas reações de alguns socialistas bem que se podia achar isso. Como, por exemplo, Porfírio Silva a chamar Cavaco Silva de reaccionário, e Brilhante Dias a dizer que Cavaco havia sido capturado pela extrema direita.

Mas este discurso, em directo, aconteceu depois de um discurso, em directo, de Montenegro. Depois de sucessivos microfones apontados à Iniciativa Liberal. Ora, se é preciso uma intervenção de Cavaco Silva para abalar a governação de António Costa, a direita deverá fazer um exame de consciência e perceber afinal em que ponto está. E se está, como diz, pronta para ser alternativa.

Por outro lado, houve quem não tivesse dúvidas que esta era a maior prova de apoio a Montenegro e um sinal de que há eleições ao virar da esquina. E que, nessa miragem eleitoral, os quadradinhos do PSD serão preenchidos com avalanches de cruzes.

Parece que, segundo o Expresso, o discurso de Cavaco também foi ouvido com atenção em Belém. Mas que a perspectiva por aqueles lados é que "com a sobreposição de Cavaco, o discurso de Montenegro deixa de existir". "Passa a valer por cima dele, a palavra do patrono que corporiza a oposição".

Em São Bento não sabemos como terá sido recebida a intervenção, mas sabemos que Costa e Cavaco não são assim tão diferentes. Mesmo que nem um, nem outro o admitam. As maiorias de absolutas, de um e de outro, foram e estão a ser mortas por dentro. E em torno de um, e de outro, os casos sucedem-se, e aqueles que os rodeiam estão constantemente envolvidos em escândalos. E, um e outro, recusam-se em deixar de neles confiar.

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