Vem isto a propósito da brutal, parafraseando Vítor Gaspar, taxa de abstenção na Europa em geral e em Portugal em particular. Trinta anos e uns “pozinhos” depois de terem votado pela primeira vez numas europeias - com uma taxa de abstenção de 27,5% em 1987 -, os portugueses estão mais afastados das urnas do que nunca - ou estavam, há cinco anos, quando Portugal registou uma taxa de abstenção recorde de 66,16%, com prevalência na faixa etária dos 18 aos 24 anos (e já a estender-se aos 39).
Não gosto dos sistemas de quotas em geral, seja o regime que estabelece a obrigatoriedade das companhias públicas e privadas contratarem determinada percentagem de pessoas com deficiência, seja a lei da paridade em cargos políticos ou nas empresas, seja outra qualquer. Mas compreendo os motivos que forçaram estas medidas. Por isso, a palavra pode estar fora de moda ou, como se diz agora, não ser politicamente correcta, mas é preciso moralizar.
Faço aqui um parêntesis para dizer que tenho uma filha que votará pela primeira vez em 2019, no mesmo ano em que foi convocada para o Dia da Defesa Nacional - que é obrigatório e no qual só tinha ouvido falar remotamente. E que não podia ter achado mais enfadonho ou despropositado: “Uma perda de tempo”, nas suas palavras.
Volto a insistir: a taxa de abstenção entre os jovens dos 18 aos 24 anos é em Portugal de 81,4% e na UE a 28 de 72,2%. A participação melhora nas faixas etárias mais elevadas e é sempre mais baixa entre os portugueses quando comparada com a média da União Europeia. Por outro lado, quem não vota nos primeiros anos tem tendência a não votar nunca mais.
Não deixa de ser interessante, por tudo isto, que uma sondagem publicada no ano passado pelo semanário Expresso tenha revelado que 41,1% dos portugueses considera que o voto deve ser obrigatório, contra 52,8% que acredita que deve manter-se facultativo.
De acordo com o jornal, “a esmagadora maioria dos inquiridos não soube identificar cinco ministros do actual governo – 49,1% disse não saber, enquanto 27,3% não sabia ou não respondeu. Já o presidente da Assembleia da República foi identificado por quase 53% dos inquiridos. O presidente do Parlamento Europeu (António Tajani) só foi identificado por 2,4% das pessoas”.
O voto é obrigatório em vários países, na Europa e fora dela. Argentina, Brasil, Austrália, Bélgica, Chipre, Grécia ou Luxemburgo são exemplos. Em Portugal também não seria novidade, como na Holanda ou no Chile - nestes dois últimos casos a obrigatoriedade deixou de estar em vigor há bem pouco tempo.
Em alguns países o voto obrigatório acompanhou a instauração do voto universal, noutros aconteceu em fases de transição política e noutros ainda surgiu como forma de combater os elevados níveis de abstenção, como é o caso da Austrália.
Não me parece que tornar o voto obrigatório seja infantilizar a democracia, prefiro pensar nele como fazendo parte do amadurecimento; as dores de crescimento da democracia, chamemos-lhe assim.
O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem entendeu, em 1971, que o voto obrigatório não viola a liberdade de pensamento, uma vez que existe sempre a possibilidade de votar em branco, que é em si uma demonstração de vontade política.
De resto, podemos até colocar as coisas nestes termos: a maioria limita a liberdade das minorias e, sendo o voto obrigatório, o equilíbrio de poderes na sociedade civil torna-se mais evidente.
Tenho, além do mais, uma enorme curiosidade - quase mórbida - em conhecer os resultados de uma eleição assim, superparticipada. E a certeza de que isto já lá não vai com apelos.
Dito isto, a maneira tradicional de fazer política tem os dias contados e é bom que os partidos percebam isso, seja o voto obrigatório ou facultativo. Quando os eleitores se abstêm ou votam num determinado sentido, contrariando todas as probabilidades, não é por não saberem o que querem, por serem desinteressados ou ignorantes. Os políticos só ainda não perceberam que, pela primeira vez, antes de falarem para os eleitores têm de falar para os seus umbigos e convencer-se disto: são eles que têm de mudar.
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