O novo mapa parlamentar até tem a vantagem de tornar difícil qualquer tipo de troca de cromos em jogos de pactos entre os protagonistas dos entendimentos. Terá de ser tudo claro. PSD e PP, para poderem governar, vão ter de conseguir compromissos com o PS e os parceiros sociais. O PS vai estar sob pressão de 36 deputados na esquerda da esquerda, representando um milhão de votos e 18,5% do eleitorado. Sendo que todos sabemos que o país continua meio preso por arames.
A coligação de direita, PSD/PP, é claramente vencedora na votação de 4 de outubro, mas também é o grupo político mais castigado nesta eleição: quando ainda falta apurar os votos enviados do estrangeiro (foram ao todo apenas 75 mil nas eleições de junho de 2011), a coligação PàF perde mais de 700 mil votos e, ao ficar pelos 38,7% dos votos agora entrados nas urnas, perde quase 12 pontos percentuais em relação aos resultados de 2011. Admitindo que PSD e PP elegem três dos quatro deputados pelo estrangeiro, a Pàf fica com 107 deputados, o que significa a perda de 22 dos 129 deputados que em 2011 deram maioria absoluta folgada a PSD e PP. O quase lema da coligação PàF – ‘Ou nós ou o caos’ – funcionou junto de eleitores temerosos mas, mesmo assim, PSD e PP, apesar de serem os mais votados, deixam de ter maioria para impor a sua política. Passa a ser necessária a negociação para encontrar boas soluções para a vida comum - e é isso o que se espera da arte política.
A esquerda, embora desconjuntada, fica com a maioria aritmética em votos e deputados. Curiosamente, todos os partidos de esquerda, mesmo o PS, principal perdedor político nesta eleição, saem ganhadores na comparação com os votos alcançados em 2011: o PS recupera uns 200 mil votos, sobe 4,3 pontos percentuais e fica com, provavelmente (faltam os votos do estrangeiro), mais 13 deputados (85 já confirmados, provavelmente serão 86); a CDU continua na casa dos 440 mil votos mas acrescenta umas décimas e um deputado (agora, 17); o Bloco de Esquerda é o mais ganhador, dispara o número de votos de 288 mil para 550 mil, dobra a percentagem (de 5,1 para 10,2%) e passa de 8 para 19 deputados. É um triunfo, este do BE, que merece ser ponderado. Tal como a redefinição do rumo do PS como referência à esquerda – antes de discutir pessoas, vale discutir políticas.
No último ano e meio houve eleições parlamentares ou presidenciais em 13 dos 28 países da União Europeia e a esquerda só ganhou duas: na Grécia e na Suécia. Apenas nove dos 28 países da União estão com liderança à esquerda: Áustria, Croácia, Eslováquia, França, Grécia, Itália, Malta, República Checa e Suécia. Por toda a Europa, a esquerda que tem a etiqueta de socialista democrática, trabalhista ou social-democrata, está a perder simpatizantes, a fabricar abstencionistas ou a atirar militantes para a rebeldia do voto de protesto em resistência à insuportável submissão à austeridade. O velho modelo social europeu, o sistema que deu a sucessivas gerações a confiança de vida melhor, está sob ameaça de fossilizar. As pessoas aspiram a poder sonhar, mas esta esquerda, em tempos ditados pelo capitalismo liberal, não faz sonhar. Precisa de se reinventar, como escreveu Pascal Riché a propósito do triunfo de Corbyn, com o seu programa radical, entre os trabalhistas do Reino Unido. Também faz pensar esta análise de Sergio Cesaratto, professor de economia política na universidade de Siena.
Já aí estão vozes do PS, seguristas, socratistas e outras, que reclamam o ajuste de contas com a liderança de António Costa. Talvez fosse prioritário darem primazia à discussão do ideário.
O eleitorado português parece avesso a dar corda a novos partidos. Mas a abstenção está nos 43%, que devem querer dizer desinteresse ou desprezo, podem significar resignação, mas também podem levar à revolta. Em Espanha, o baralho já está a mudar, as cartas políticas estão a ser redistribuídas com novos parceiros, Podemos, Ciudadanos e outros, que entram no jogo até aqui dominado pelos partidos tradicionais. São muito esperadas as eleições gerais espanholas, em 20 de dezembro. Parece indiscutível que vão acabar com a maioria absoluta de um só partido (o PP de Rajoy), perspetiva que está a atrair os media de Espanha para a análise do quadro português, como se lê aqui e também aqui.
Em Portugal, não se vê propensão para acolher experiências assim rompedoras nem para alianças heterogéneas. Mas está aí uma boa oportunidade para uma nova cultura política. Sim, pode ser.
Também nestes dias
(D)efeito colateral. A guerra, iniciada há 14 anos, para vingar a infâmia nas Torres Gémeas e libertar o Afeganistão do terrorismo talibã, parece esquecida, mas continua, segue inacabada. Voltou agora às notícias com o ataque de forças dos EUA ao hospital dos MSF em Kunduz. O ataque fez 19 mortos, incluindo médicos e doentes. Parece ser o cruel efeito colateral de um pedido de socorro de tropas afegãs perante a reconquista de Kunduz pelos talibã. O Afeganistão e o Iraque são guerras assimétricas com engrenagens que uma vez lançadas tendem a nunca mais acabar. A Síria é a emergência em curso. A NATO está a querer impor stop aos russos, porque duvida da motivação de Putin. E há nova crispação regional. O que se segue? Também recrudesce a violência entre Israel e a Palestina.
O taciturno, muito humano, inspetor Kurt Wallander, sempre atormentado na luta pela justiça, ficou órfão. Não teremos mais nenhum livro de Henning Mankell. Este popular escritor de estupendos livros policiais, em que incluiu retratos críticos da sociedade europeia de hoje, perdeu o longo combate com um cancro. Escolheu chamar a doença pelo seu nome e contar essa dura batalha final através de um diário no jornal Goteborgs-Posten. Foi sempre ativista pelas causas dos que sofrem. De Gaza a Moçambique. Mankell é a personagem na primeira página escolhida hoje entre as do SAPO JORNAIS. Também poderia ser esta que não terá tido tempo para destacar a morte do sueco que para além de escrever livros admiráveis e ter escolhido Maputo para viver foi diretor do Teatro Avenida, na capital moçambicana.
Já começou a temporada de prémios Nobel: na quinta-feira, o da Literatura (foi para Saramago em 1998); no dia seguinte, o da Paz (foi para os timorenses José Ramos Horta e Carlos Ximenes Belo em 1996). Quem, agora? Há nomes portugueses nas listas de máximo mérito, de Guterres a Sampaio, passando por António Lobo Antunes.
A magia dos U2 está por quatro noites em Barcelona. Espreitar aqui. Também aqui.
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