Para as dezenas de milhões de espectadores de 150 países (dos 200 que há no planeta) Oprah é uma apresentadora televisão calorosa que sabe comover uma audiência de 300 pessoas em estúdio e os cerca de 10 milhões que em média a viam na tela, entre 1968 e 2011. Mas realmente ela não é somente mais uma profissional bem-sucedida dos “talk shows” (programas de auditório); Oprah é um sucesso sem precedentes nem consequentes, como se pode ver pelos números.
Sondagens feitas nos cinco continentes dão-na sistematicamente como a mulher mais famosa do planeta, o que a tornou a afro-americana mais rica de sempre. Na lista da Forbes dos 500 mais ricos do mundo foi a única negra em 2003 e a única mulher negra em 2004/5/6. Calcula-se que tenha uma fortuna a rondar os três mil milhões de dólares.
Este sucesso não foi obtido sem esforço nem começou duma maneira fácil. Ao princípio o “Oprah Winfrey Show” era mais um programa de “famosos” a dizer banalidades, como tantos outros que ainda existem por cá, por lá, e por toda a parte. Mas aos poucos, à medida que ia ganhando audiência e segurança, começou a concentrar-se em temas mais abrangentes e mais significativos, como a subalternização dos negros e das mulheres, os direitos das pessoas LBGT e falta de oportunidades educacionais para os desfavorecidos. Ao mesmo tempo, dava impulso a programas culturais, como o Clube do Livro Oprah (a partir de 1996), que propôs livros de Toni Morrison, Isabel Allende, Sue Miller, Tolstoy e Faulkner, entre outros bons, maus e assim-assim. Mas sem dúvida incentivou milhões a interessar-se por literatura.
Sem nunca perder o lado piegas, com pitadas e espiritualidade, Oprah ia dando aos espectadores lições de civismo e cultura de um modo despretensioso que cativava toda a gente. Tornou-se uma espécie de guru da auto ajuda e bom senso, a ponto de ser seguida por milhões de “fieis” que adoptavam os seus conselhos e propostas. Em 2002 a revista “Christianity Today” publicou um longo artigo sobre a “Igreja de Oprah”, analisando com espanto a influência benéfica que tinha sobre as pessoas. Não se envolvia directamente em política, mas tinha um pendor liberal e democrata. Calcula-se que o seu apoio à campanha de Obama em 2008 lhe terá trazido um milhão de votos nas primárias do Partido Democrata.
Entrevistava pessoas de todas as cores e feitios, inclusive cinco presidentes e primeiras damas, incontáveis actores, escritores, cientistas, académicos e donas de casa, mães bem-sucedidas e mal preparadas. O programa em que conversou com Michael Jackson, em 1993, teve a maior audiência de sempre da tv norte-americana.
Em 2011 acabou com o programa e comprou um canal de televisão a que chamou OWN Network. Os objectivos eram os mesmos, mas não aparecia regularmente. Os resultados não foram os previstos e acabou por vender a maioria ao Discovery, mantendo no entanto um papel na escolha da programação.
Embora aparecesse esporadicamente em programas, passou a dedicar-se mais às suas causas humanitárias, com destaque para a “Rede Angel” de escolas para meninas de meios difíceis. Actualmente, tem 55 escolas em 12 países, onde gasta cerca de 70 milhões de dólares – uma gota que em nada afecta um estilo de vida espampanante, com casas apalaçadas um pouco por todo o mundo. Mas quando aparece é sempre simpática, quase humilde, ao ponto de as pessoas não se incomodarem com a imensa fortuna que juntou – aliás, trabalhando, pois não se lhe conhece nenhum negócio discutível.
Em Janeiro de 2017 Donald Trump torna-se o 45º Presidente dos Estados Unidos, para desencanto e posterior desolação da classe intelectual e científica e a maioria dos formadores de opinião – entre eles Oprah, muito naturalmente. Mas durante um ano manteve o perfil relativamente abaixo do radar.
Até que, a 7 de Janeiro deste ano, aconteceu a festa dos Golden Globe Awards e Oprah subiu ao palco para receber o galardão Cecil B. DeMille por uma carreira de comunicação brilhante. E fez um discurso. Começou por recordar que quando era miúda, em 1964, assistiu na tv à entrega do Oscar ao primeiro negro, Sidney Poitier, e o impacto que isso teve na sua vida. Congratulou-se pelo facto de ser a primeira mulher negra a receber o prémio Cecil B. DeMille e lembrou as pessoas que a ajudaram na sua carreira. De repente, saiu do guião comovente e lançou um autêntico desafio ao país para que se opusesse às várias tropelias ambientais, culturais e sociais que o Governo Trump e o Congresso, dominado pelos republicanos, infligem aos americanos. E o que fazer quanto ao assédio e ao desgoverno do pais? “Tenho como certo é que dizer a verdade é a arma mais poderosa que temos!” Oprah juntou todas as injustiças – contra as mulheres, os negros, os imigrantes, os atletas, os artistas, os pobres. Falou de Rosa Parks, uma precursora da luta pelas minorias. E terminou: “Uma coisa é certa: um novo dia está a nascer no horizonte, por causa das mulheres e homens que estão nesta sala...”
Mas não foi só o que Oprah disse; foi o modo de dizer. Houve uma emoção e uma determinação nas suas palavras que só se encontra em pessoas com uma personalidade marcante, determinação clara e comunicabilidade contagiante. Em apenas nove minutos, Oprah passou de personalidade da media a candidata a Presidente.
Uma carreira impressionante, sem dúvida, como toda a comunicação social explorou e recordou no dia seguinte. Oprah nasceu em extrema pobreza, filha de mãe solteira numa região rural do Tennesse, passou a infância num gueto de Milwaukee, onde engravidou aos 14 anos, e acabou por ser adoptada por um barbeiro a quem chama pai. Foi ele que a obrigou a estudar e lhe deu incentivo à natural habilidade para falar em público. Começou num programa de rádio local aos 19 anos e foi subindo a braços toda a escada que acabou por torná-la a apresentadora mais bem paga do país. Uma carreira que ela nunca se coíbe de contar e onde não há um único golpe para subir, um único deslize no que sempre se propôs: comunicar com as pessoas para as ajudar.
Entre esse agora famoso discurso de 7 de Janeiro e este 11 de Março, centenas de comentadores levantaram a hipótese de Oprah ser uma boa aposta para derrotar Trump em 2020. Até o próprio Trump, sempre atento às mexeriquices, comentou: “Conheço-a. Vai ser divertido derrotá-la.” Isto num tom que implicava um certo desdém pela ousadia de uma mulher negra de o desafiar.
Oprah repetiu várias vezes – sempre que lhe perguntavam, e passaram a não lhe perguntar mais nada – que não se irá candidatar. Não gosta de política. Não precisa de mais sucesso, nem de mais poder. Tem uma vida tranquila e espiritual no meio do luxo. Para quê meter-se em chatices? Não lhe interessa governar os Estados Unidos e mandar no mundo.
11 de Março. No talk show de Van Jones, na CNN, Oprah é a estrela convidada. Van Jones, um negro entusiasta e cosmético, não cabe em si de contente, até saltita sentado na cadeira. “Temos aqui uma pessoa que nem sei como chamar... A Rainha Mãe do Planeta Terra!”
Jones começa por fazer um discurso sentido: “Neste momento preciso de alguma esperança. Estou cansado, frustrado, mesmo assustado pelo que está a acontecer com o nosso sistema político. Os loucos estão cada vez mais loucos. Levanto-me de manhã, vejo os tweets e as notícias; todos queremos salvar os Dreamers, e o Congresso não consegue uma lei. Todos queremos uma verificação sobre as pessoas que compram armas e o Congresso não consegue aprovar essa legislação E se o Obama tivesse feito apenas o que Trump fez na semana passada, não seria somente impedido, estaria preso em Guantânamo. (...)
Por isso é que gosto de trazer para aqui ícones culturais, porque são mais sinceros e francos que os políticos. (...) Precisamos de esperança, e essa esperança pode vir dum visionário que não tem nenhuma posição política. Precisamos de esperança, de sabedoria e de inspiração!”
Assim introduzida, Oprah aparece sorridente e começa uma conversa de cerca de meia hora cheia de entrelinhas.
Sobre a situação actual, diz Oprah: “Todos se alimentam do histerismo e da negatividade porque a escuridão se espalha tão depressa que temos de procurar a luz. E eu acho que a escuridão de Parkland e Chicago traz o melhor das pessoas. Acorda-as, fá-las agir.”
E, antes que Jones lhe fizesse a pergunta óbvia, ela própria responde: “Não sou candidata.” (Tumulto no auditório, que nunca se vê.) “Mas se fosse, ou se aconselhasse alguém que fosse, dir-lhe-ia que não dê a sua energia ao outro lado, não passe o tempo a falar do seu oponente. Tem de haver uma intenção por trás do que diz, em vez de criticar as intenções do outro.”
A certa altura Van Jones pergunta-lhe o que faz quando acorda, para não ficar logo deprimida com o mundo cruel. “Levanto-me de manhã e a primeira coisa que digo é: muito obrigado. Sinto que estou viva e agradeço. Depois passeio os cães e a seguir medito. Não vou logo ao telefone. (...) Não se pode enfrentar a coisa de frente, há que transcendê-la."
“O que tento sempre é conversar com pessoas que pensam de outra maneira. Mas há uma ausência de empatia. Eu não os oiço, eles não me ouvem. Temos de encontrar pontos comuns.”
“Ora, aquilo em que todos podemos acreditar é na família. Somos um país de famílias. É o nosso ponto comum. E eu tento ser uma pacificadora, não uma divisora. No nosso coração, todos queremos o mesmo. O desejo de ser valorizados. A sensação de que aquilo que sentimos e aspiramos faz diferença.”
Van Jones foi sempre deferencial, talvez deferencial demais, mas atreve-se a uma pergunta armadilhada:
“Deve ser fantástico ser rica e famosa. Mas, se a partir de hoje só pudesse ser uma dessas coisa, qual escolheria?”
Oprah, sorri, fazendo-se perplexa: “Diabo, essa é uma pergunta difícil!”
“O dinheiro permite fazer coisas, mas, humildemente, é a confiança das pessoas que é o mais importante. Não há nada mais importante do que isso. O que eu quero agora é fazer coisas que marquem uma diferença na vida das pessoas.”
Última pergunta com água no bico: “Se estivesse frente a frente com o Trump, como adversária, ou apenas como ser humano, o que lhe diria?”
Oprah nem hesitou: “Só falo quando sinto que sou ouvida.”
Se isto não foi uma entrevista duma presidenciável, foi certamente uma enorme pressão para que seja Oprah a enfrentar Trump. Em público. Haverá outras pressões em privado, com certeza. Dos milionários liberais dispostos a apostar numa candidata com possibilidades. Dos democratas, que não têm neste momento ninguém com uma projecção nacional (para não falar em simpatia) que se compare a Oprah.
E Oprah, que sempre enfrentou e venceu desafios, neste domingo mostrou que pelo menos está a gostar da tentação. É só imaginar um cenário em que seja Obama a pedir-lhe.
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