Aconteceu o que estava anunciado, o triunfo dos Fratelli d’Italia. Estes Irmãos de Itália captam o voto de protesto que há quatro anos tinha ido para uma formação ideologicamente amorfa, o Movimento 5 Estrela (ora diz umas coisas de esquerda, ora diz outras de direita). O 5 Estrelas tinha vencido as eleições de 2018 com 32,6% dos votos; agora, depois de quatro anos no governo, cai para menos de metade. Os Fratelli d’ Italia, de Giorgia Meloni, que escolheram capitalizar sozinhos o posicionamento na oposição, passaram de 4,3% em 2018 para agora 26,1%. Cabe-lhes a árdua prova de, com funções de governo, satisfazerem as aspirações o povo zangado.
Meloni, nestas eleições, também venceu o duelo com o rival na liderança da direita ultra: a Liga, de Salvini, cai de 17,3 para 8,7%.
Entre a meia Itália que vota, há nestes últimos cinco anos um terço desse eleitorado que escolhe o voto contra o sistema. Nas anteriores eleições beneficiou o 5 Stelle, agora os Fratelli.
Há uma novidade: o eleitorado móvel de protesto, desta vez assumiu uma escolha ideológica. O depósito de memórias e símbolos do fascismo de Mussolini é acolhido no reposicionamento que Meloni consegue com mestria dos Fratelli, partido em deslocamento gradual da fase pós-fascista para a do conservadorismo ultra.
O modelo dos Fratelli vai resistir à prova da governação? O teste vai ser muito duro. Entra em cena em tempos de crise aguda. Os parceiros para governar são pouco de fiar: Salvini, enfraquecido, tanto nas urnas como pelas contradições no discurso, não se livra do desgaste pela imagem de pró-Putin; Berlusconi, que nas imagens destes dias parece uma réplica da personagem modelada para um Museu de Cera, reaparece após ter sido expulso do Senado e condenado nos tribunais por prostituição de menores, fraude fiscal, corrupção e suborno.
Berlusconi, com 8% dos votos para a Forza Italia, partido que junta restos do que foi a direita tradicional, tem o peso de ser imprescindível para Meloni conseguir maioria. Este ressurgimento de Berlusconi é uma realidade insólita
Na maioria das direitas que sai triunfante destas eleições italianas há uma grande ganhadora (Meloni) e dois parceiros que tendo ganho são perdedores (Salvini e Berlusconi). É por isso que não espantará se a complexa gestão da maioria governamental venha a resultar em mais uma das crises políticas que são o trivial na Itália das últimas décadas.
Apesar do radicalismo atenuado na campanha, Giorgia Meloni nunca quis deixar de aparecer como força rebelde ao sistema. Faz questão de repetir elogios ao modelo do húngaro Orbán de democracia neo-autoritária. Mais: deseja, e disse-o em entrevista à EFE, que o Vox triunfe em Espanha.
O espaço ultra ganha terreno na União Europeia.
Ao longo dos últimos 30 anos a cidadania francesa tinha protagonizado uma “mobilização republicana” que instalou um “cordão sanitário” para barrar a família Le Pen, pai e filha, do acesso ao topo do poder. Nas eleições na última primavera essa barreira quase caiu na votação que eclipsou os partidos tradicionais.
Na Suécia, um partido com inspiração neonazi – ironicamente designado Democratas da Suécia - foi o segundo mais votado (20%) e o primeiro das direitas nas eleições há duas semanas. Mas os democratas-cristãos e os liberais estão a opor-se à entrada dessa extrema-direita no governo que os conservadores tentam instalar em Estocolmo. Tudo ainda em fase de negociações, tensas.
Esta é uma questão principal a observar nos próximos tempos: que vínculos vão ter as direitas tradicionais com os novos extremismos? Em Espanha, o PP vai dispor-se a alinhar numa proposta de governo com o Vox? Em Portugal, o PSD abre-se ao Chega?
Os partidos da direita clássica na Alemanha escolheram fazer barreira aos extremistas do AfD e estes perderam expressão nas últimas eleições.
Na Europa do sul, como vai ser?
Itália já entregou o poder aos ultras, embora com grandes divergências entre estes: Meloni é atlantista enquanto Salvini gosta de Putin. Há em Salvini anti-europeísmo total, enquanto Meloni mostra pragmatismo – é uma forma de realismo que passa por Itália ainda esperar 140 mil milhões dos quase 200 mil milhões da maior das bazucas da Comissão europeia.
Apesar dos compromissos, o que o voto de Itália mostra é que o grupo de Visegrado (Hungria, Polónia, Chéquia e Eslováquia) se amplia para a Europa do sul ao passar a contar com o governo de Itália como parceiro.
Esta direita ultranacionalista nos governos de Budapeste, Varsóvia, Praga, Bratislava e Roma está a conseguir desdemonizar-se na opinião de eleitorados da direita tradicional, mas não deixa de se opor aos ideais fundadores da União Europeia e que há um ano pareciam em fase de reforço da solidariedade.
A guerra abriu na Europa uma crise que agora entra em incertezas acrescidas. Para onde vamos? Uma distinção: enquanto a Europa se abre à direita das direitas, a América do Sul vira-se para a esquerda das esquerdas.
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