Entre as dez maiores quedas na Bolsa de Nova Iorque estavam sete títulos de empresas brasileiras. Foi assim que o Brasil amanheceu nesta quinta-feira, após o mais novo escândalo que abala os ânimos e o sonho de recuperação da economia. Agora envolvendo o presidente Michel Temer que aparece em vídeos em atos de corrupção. É o velho esquema do toma lá, dá cá que parece não ter fim no Brasil. A cada dia descobrimos algo que parecia improvável.
Recuemos no tempo. Era uma vez um político poderoso que, acompanhado da sua família e dos seus assessores diretos, precisou de se instalar no Rio de Janeiro para liderar um grande projeto. Ao perceber o que poderia lucrar ao construir uma boa relação com essa personalidade, um rico investidor local ofereceu-lhe como “prenda” a melhor residência ali construída, um verdadeiro palacete situado no melhor bairro da cidade, com direito a uma vista privilegiada para a Baía da Guanabara.
A prenda foi aceite e o investidor, além de passar a ser visto como grande amigo do importante político, viria a construir um futuro de negócios vultuosos usando essa proximidade. O político, por sua vez, não aspirava chegar ao posto que, antes, pertenceria ao seu irmão. Com a morte do irmão e com a mãe a ser declarada mentalmente incapaz, não houve alternativa. O político era D. João VI, que criaria as bases de um país estruturado em sólidas instituições, mas ao partir de Lisboa em fuga forçada pelos ingleses, levou consigo grande parte de uma corte perdulária e preguiçosa, pronta a fomentar um ambiente fértil para negócios à base do toma lá, dá cá.
O jornalista e historiador brasileiro Laurentino Gomes descreve passagens surreais da corte portuguesa em solo brasileiro: “Em seus oito primeiros anos, D. João VI distribuiu mais títulos de nobreza do que a monarquia portuguesa teria concedido em 700 anos”. Outro historiador teria dito que “para se ganhar um título de nobreza em Portugal eram necessários 500 anos, no Brasil, 500 contos.” Laurentino explica no seu livro que o “investidor local” citado acima era o traficante de escravos Elias Antônio Lopes, que havia aberto, com a doação da sua casa de campo à família real, um caminho generoso de negócios com a corte. Uma vez que a coroa chegou ao país praticamente falida, tornou-se comum que senhores de engenho, fazendeiros e outros traficantes de escravos estabelecessem um regime de troca de favores com o rei e seu séquito. Nesse momento, os negócios públicos e privados já se confundiam e nascia o costume de se desviar um percentual do dinheiro público. A Operação Lava Jato não daria conta de tanta história.
O Brasil dos dias atuais é um país grandioso com mais de 200 milhões de habitantes, universidades conceituadas, escritores, poetas, cientistas, grandes grupos empresariais e uma quantidade infindável de corruptos, como podemos constatar com a Operação Lava Jato. Ultimamente o brasileiro tem um certo receio de chegar a casa, jantar e assistir ao telejornal. O risco de indigestão é alto. Não há dia em que novas notícias sobre desvio de dinheiro público não sejam divulgadas.
A chamada “delação do fim do mundo”, o acordo feito pelos executivos daquela que pode ser vista como uma corte ou um séquito do século XXI - a construtora Odebrecht - junto ao Ministério Público Federal no qual terão penas reduzidas desde que entreguem todo esquema de corrupção e provem as acusações, parece uma novela mexicana com os seus dramas intermináveis.
Especialistas em desvio de dinheiro público, em subornos e na compra de leis que beneficiassem as operações daquele grupo empresarial, esses profissionais do desvio de conduta - falo dos dias atuais - explicam como se praticavam os crimes com o apoio de políticos influentes no poder central do país e, ao mesmo tempo, desnudam um arquétipo que vem a se repetir por séculos, como faziam os traficantes de escravos no passado.
A boa notícia é que, embora muito tenha feito pelo nascimento do Brasil ao criar importantes instituições e serviços que formatariam a autonomia nacional que fariam com que fosse considerado o verdadeiro mentor do moderno Estado brasileiro, D. João VI voltou para Portugal. A má notícia, para os portugueses, é que a sua Corte, repleta de aproveitadores que na primeira oportunidade virariam as costas ao Rei, dependente e inconfiável, voltou com ele para Portugal. O resultado é o suborno se tornar o modelo de negócios dos políticos e empresários nos dois lados do Atlântico.
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