Culpo a tecnologia por tudo isto. Não me refiro aos computadores, telefones ou aos sites de redes sociais, as primeiras opções que nos invadem quando a palavra tecnologia entra na discussão mas, antes, à tecnologia enquanto dispositivo que media a experiência humana, o artefacto cultural que nos define enquanto sociedade. A história da vida humana é também a história da nossa relação com a tecnologia e a forma como esta se foi tornando ubíqua, criando uma rede aberta que organiza a economia mundial em torno de redes globais de capital, gestão e informação. É a globalização no seu melhor, com a universalização das suas consequências políticas e económicas às quais ninguém escapa.
O paradoxo está instalado com o melhor e o pior da tecnologia a assolarem-nos simultaneamente. Os papers do paraíso e o evento que estimula o desenvolvimento tecnológico acontecem em simultâneo. Coincidência?
Um evento como o Web Summit garante conteúdo que preenche páginas e páginas de jornais e poderia ocupar os noticiários do início ao fim. Estou a tentar perceber o que fazer e como me organizar para encontrar as pessoas certas e ouvir o que é mais relevante. Trata-se de um programa complexo, repleto de boas escolhas, com um conjunto de pequenos eventos associados que farão qualquer um ficar cansado só de olhar para a agenda desta semana. Sinto-me como um miúdo numa loja de brinquedos em dia de aniversário, sem saber o que escolher ou a quem dar atenção. Tudo começou com um grupo no Facebook que se estendeu para o WhatsApp e que já me levou a silenciar as notificações desta aplicação. São 200 women in tech que se apresentam, fazem perguntas e combinam coisas num sistema caótico de mensagens que, creio, apenas as mulheres conseguem entender.
Na caixa de correio entram constantemente novas mensagens, a maior parte delas confirmando eventos que subscrevi e nos quais planeio participar. A agenda está oficialmente cheia e ainda tive a brilhante ideia de lançar o repto para descobrir histórias pessoais da relação destas mulheres com a tecnologia. Já fui a muitas conferências, mas nunca a nenhuma assim, que se estende oficialmente pela cidade e noite fora, com 120 bares a juntarem-se à festa. Segundo consta, é no night summit que tudo acontece, porque se estabelecem relações num ambiente mais descontraído. Pago para ver milhares de pessoas todas juntas, interagindo no Bairro Alto ou na rua Cor-de-Rosa... Vou concentrar-me nos eventos que acontecem durante o dia. Diz-me a experiência que, depois de um dia inteiro a entrevistar, ouvir conferências, interagir no Twitter sobre as mesmas, espreitar as notificações no WhatsApp, sobreviver ao caos do metro ou do trânsito, nada melhor do que terminar o dia com uma sessão de yoga que também faz parte do calendário. Para Quarta-feira o problema repete-se, com um final de tarde repleto de eventos associados ao Web Summit que é, afinal, muito mais do que uma conferência, assumindo-se como um catalizador de encontros e negócios.
Lisboa recebe, novamente, o maior encontro mundial de tecnologia e, entre talks, grupos e eventos dentro do evento, não somos capazes de ver a árvore na floresta. Estamos dominados por um panóptico que nos dá a ideia de uma dimensão maior do que a que temos e que, por isso mesmo, nos impede de ver o mundo — a realidade — tal como ela é. Efectivamente, achamos que pela tecnologia o mundo se amplia à medida que se torna mais pequeno quando, na verdade, estamos cada vez mais limitados. Mesmo que pareça que, por via das ferramentas tecnológicas, ninguém escapa ao escrutínio, tudo seja possível de descobrir e divulgar, só sabemos que se quer que seja descoberto, de acordo com os interesses do momento. Já o deveríamos saber. Como também deveríamos saber que dinheiro chama dinheiro e que os gestores de fortunas tudo fazem para as aumentar, mesmo que fugindo aos impostos.
Os paraísos fiscais são o lugar perfeito para esconder grandes fortunas, e servem tanto para guardar dinheiro, como para o lavar ou esconder, evitando impostos ou perguntas inconvenientes. A mim dá-me uma enorme vontade de os mandar a todos para um certo paradise lost e não pagar nem mais um cêntimo ao Estado. Seja ele qual for. Mas, se sair daqui para qualquer outro lugar, mudam os papers e o paradise é o mesmo, verdade?
Paula Cordeiro é Professora Universitária de rádio e meios digitais, e autora do Urbanista, um magazine digital dedicado a dois temas: preconceito social e amor-próprio. É também o primeiro embaixador em língua Portuguesa do Body Image Movement, um movimento de valorização da mulher e da relação com o seu corpo.
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