Através de um amigo, usando assim uma das mais refinadas técnicas das classes altas para arranjar emprego, Rúben Hélder torna-se tutor da Benedita Maria (Bé). Esta mora num palacete no Restelo e, lá chegado, é recebido pela D. Cremilde, a governante cabo-verdiana que tanto faz todas as tarefas da casa, como serve de consolação a esta família pelas saudades do colonialismo. A mãe da Bé é a Constança Clotilde (Cócó) e, profissionalmente, vai às compras e à Igreja, onde recentemente teve de se confessar por ter tido sonhos molhados com o Chicão e os seus ideais de Deus, Pátria e Família. O cheiro a patriarcado salazarista dá tesão a qualquer mulher de bem (e eventualmente homens, não fosse a homossexualidade uma doença e um pecado).
Através daquilo a que os pobres chamam de "desenrascar para sobreviver" e os ricos de "meritocracia", Rúben Hélder conseguiu expulsar os parasitas que ocupavam os outros empregos possíveis no palacete, e arranjou trabalho para o resto da família enquanto os empregados de Cócó e do marido Afonso Viriato (Fonvi), assim baptizado pelo pai que era ligeiramente nacionalista.
Tudo parecia correr bem, mas as coisas mudaram repentinamente. Cócó, Fonvi, Bé e Sebas (Sebastião, irmão mais novo) foram a Fátima rezar a Nossa Senhora e pedir-lhe que os protegesse de doenças de pobres ou de algum dia terem de usar transportes públicos. Assim, Rúben, Cajó, Carla e Soraia ficaram a banquetear-se numa opulência que não era sua, mas que era como se fosse. E tudo descambou.
A D. Cremilde tocou à campainha, conseguiu ir à cave onde o marido, o Sr. Anacleto, parasitava há anos, vítima do sistema opressivo. Pouco depois, os ricos chegaram inesperadamente ao palacete, e Cremilde e Anacleto foram deixados presos na cave pela Carla que lhes gritava "nem para lixo servem!", com uma arrogância de Cócó, enquanto Cajó, Soraia e Rúben se escondiam debaixo da mesa da sala. Mas Cócó e Fonvi resolveram ficar no sofá, sem saber dos parasitas debaixo da mesa, e encetaram uma sessão de sexo cujo fetiche era, precisamente, serem de classes baixas: Ai, sim, diga-me como gosta de unhas de gel! Conte-me como bebe cerveja do gargalo! Diga-me que trabalha a recibos verdes! Defenda a existência e a importância da escola e saúde públicas! Ai, sim, sim! TRATE-ME POR TU, TRATE-ME POR TU!
Lá se vieram, e os pobres lá se foram. Mas a revolução já estava em curso.
No dia seguinte, festa dos ricos lá no alto, no jardim abençoado pelo sol. Lá em baixo, Anacleto foge da escura cave decidido a fugir do cadafalso social. Esfaqueia a parasita Soraia. Carla mata o parasita Anacleto. Cajó mata Fonvi, parasita perpetuador do parasitismo. E Cócó só consegue pensar: é pena que os católicos a sério não se possam divorciar, pois era agora que eu lambia todo aquele conservadorismo bafiento do Chicão e o enchia de estabilidade emocional.
Cajó esconde-se na cave fechando o ciclo, e o Rúben Hélder faz promessas de o quebrar um dia. Ao ciclo, claro, não ao pai. Porque as baratas são rijas, e são iguais, só que umas são mais iguais que outras.
Nota: Para os leitores que ainda não tiveram a sorte de ver este incrível filme, posso contar-vos por alto. "Parasitas" é um retrato verossímil, e importante, da discrepância de classes e da violência a que o sistema as submete. Realizado por Bong Joon-ho, foi Palma de Ouro no Festival de Cinema de Cannes e é um dos nomeados para melhor filme nos óscares deste ano.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- A Despedida: Que filme tão, tão bonito. Chorei bem, não o nego.
- Criaturas de Um Dia: Segundo livro que leio do Irvin Yalom. Uma maravilha e tenciono ler tudo o que ele tenha escrito.
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