Para um habitante do século XXI, é impossível imaginar o habitat humano sem plásticos. Estão presentes em praticamente todos os artefactos que utilizamos, e temos coisas que não poderiam existir sem eles. Da técnica à beleza, mudaram o mundo para lá do que seria possível sonhar até ao século XIX. Mesmo quando não nos apercebemos deles, estão em toda a parte. Até em coisas em que não se vêem e talvez fossem dispensáveis, como, por exemplo, na construção civil, o seu uso permite soluções técnicas e estéticas mirabolantes que hoje temos como normais. Já alguma vez viu um daqueles carros alemães em metal reluzente depois de ter ardido? O que fica, queimados os plásticos, é um esqueleto de arame. Até o bloco do motor é um composto com sintéticos.
Faça um exercício: imagine que vive na época em que os plásticos não existiam. A maioria dos objetos que usamos não seriam possíveis e os que já existiam tinham estruturas e capacidades completamente diferentes. Imagine que só tem à sua disposição metal, madeira, vidro e fibras naturais (algodão, lã, seda) para construir tudo, de instrumentos científicos a meios de transporte, utensílios a vestuário, utilidades e inutilidades. É difícil de imaginar, não é? Talvez só se consiga ter uma ideia ao ver um filme de época, em que os artefactos de antigamente são recriados em plástico para parecer o que não eram feitos de plástico!
Em termos prático/históricos, digamos, o primeiro objeto sintético foi... uma bola de bilhar! Até 1865, eram feitas de marfim polido, um material caro, só encontrado em certas regiões longínquas da África e Ásia. Um americano, John Wesley Hiatt, fez uma bola de madeira coberta de pó de marfim e goma-laca, mas o resultado não satisfez os jogadores. Depois de muitas tentativas, chegou ao resultado perfeito, ou seja, uma bola que tinha o peso e o toque do marfim, mas era uma combinação nitrocelulose (também conhecida como algodão-pólvora) aquecida com cânfora, para formar um material moldável. Chamou-lhe celulóide. Em pouco tempo o celulóide encontrou outros usos, uma vez que podia ser moldado à vontade do freguês. O mais famoso, inventado por outro americano, em 1887, foi o filme cinematográfico, usado pela primeira vez em 1896 pelo fotógrafo francês Louis le Prince.( As câmaras fotográficas e de filmar, é preciso recordar, eram feitas de madeira e metal.) O maior inconveniente do celulóide era ser altamente inflamável, mas isso não impediu John Eastman (Eastman Kodak, diz-lhe alguma coisa?) de ganhar uma fortuna com máquinas fotográficas que usavam fitas de celulóide impregnadas de emulsão fotosensível, em vez de papel.
A invenção seguinte deve-se ao belga Leo Hendrik Baekeland, que em 1907 misturou uma resina de fenol e formaldeído (a partir de carvão e metanol) e chamou-lhe, modestamente, baquelite. A baquelite, que foi usada em tudo e mais alguma coisa pelo menos até à explosão dos plásticos derivados do petróleo, na década de 1950, tinha excelentes características técnicas e estéticas: era isolante elétrico, dura e consistente, podia ser moldada ou injetada e colorida com qualquer tom, liso ou mesclado. As pessoas que já eram crescidas, ou pelo menos crianças, na década de 1950, ainda se lembram com certeza dos rádios caseiros com frentes de baquelite, ou dos suportes para a fiação elétrica. O único inconveniente era ser pouco flexível e quebradiça.
Há também uma invenção considerada por alguns como o primeiro plástico, um derivado da celulose congeminado por Alexander Parkes em 1862, como substituto da borracha natural (latex).
Mas tudo isté é pré-história; o verdadeiro plástico, cloreto de polivinil, inventado em 1872 pelo alemão Eugen Baumann, que não registou a patente, foi “pescado” pela americana DuPont e depois por outros gigantes industriais com um nome que todos conhecemos, PVC, na década de 1940, mais ano menos ano... Seguiu-se o poletileno de baixa densidade, o poliester, polipropileno, Styrofoam, Plexiglas, Mylar, Teflon, PET e outros derivados do petróleo. Estes são os principais fabricantes de plásticos, mas convém lembrar que os verdadeiros produtores são as petrolíferas, uma vez que estes químicos dão componentes da cadeia de destilação do petróleo. E convém lembrar porque as razões porque estamos a afogar-nos em plásticos são duas: a necessidade que criamos e os lucros dos produtores.
Só para ter uma ideia, a produção anual de plásticos é da ordem dos 36 mil milhões de toneladas (36.287.389.600.000) segundo uma estimativa que não é verificável mas provável - mais milhão de tonelada, menos milhão de tonelada, o que é que isso interessa?
Nem todo o plástico é estupidamente descartável - estamos a falar daquela embalagem transparente que protege um vegetal com um tempo de vida de três dias e que levará centenas, milhares de anos a decompor-se. Há peças de maquinaria em plástico, e que só em plástico poderiam ter aquela forma, que aguentam décadas a funcionar e podem ser recicladas. O plástico industrial (e inclua-se aqui equipamentos médicos, aparelhos científicos e toda uma míriade de utilizações cuja utilidade é indispensável e indiscutível) é a benesse que permitu passarmos do estágio de sobrevivência agrária para a sociedade dos festivais de rock.
A questão é que não sabemos qual a percentagem dos tais 36 taralhões de toneladas que é usada inteligentemente e qual a outra percentagem que vai para embalagens efémeras, sacos de compras e gadgets inúteis. Mas sabemos que o plástico nunca se decompõe completamente; acaba, no estremo de vida, no chamado microplástico - partículas com menos de 5mm mas que continuam a ser plástico. Têm sido encontradas na fossa das Marianas (a 11 quilómetros abaixo do nível do mar), em praias inabitadas de ilhas distantes e, famosamente, na Grande Mancha de Lixo do Pacífico, um continente flutuante com um milhão e quinhentos mil quilómetros quadrados! (Portugal: 89 mil quilómetros quadrados.)
A Grande Mancha pode estar lá longe das nossas costas, mas não é só aí que os plásticos vão para o céu; os animais comem-nos, e nós comemos os animais; quando uma criança toma o seu biberão, algumas partículas de plástico vão no leite; a roupa que usamos transmite por atrito fibras para a nossa pele.
Para piorar a situação, os plásticos são compostos que incluem vários químicos, alguns dos quais cancerígenos. Enquanto os bocados de tamanho visível podem matar os animais por sufocação ou entupimento intestinal, os invisíveis entram na corrente sanguínea e até há estudos, ainda não conclusivos, de que poderão alterar o nosso DNA. Uma equipa de cientistas americanos colocou alguns sacos de compras sob luz solar simulada, para imitar as condições que teriam se fossem deixados a flutuar na natureza. Um saco largou cerca de 13 mil químicos, outro 15 mil.
A questão, evidentemente, é que não podemos acabar, ou sequer reduzir, esta exposição permanente. A reciclagem tem atualmente proporções ridículas e o plástico reciclado é muito mais caro do que o virgem. (Por acaso até tenho um par de ténis que proclama ser feito a partir de seis garrafas de água recicladas; quantos pares de ténis são precisos para reciclar os 2,5 milhões de garrafas que são deitadas fora, por hora, no mundo inteiro?) Os números são estratosféricos.
Claro que nos sentimos melhor quando separamos o lixo e imaginamos que o plástico usado vai ser miraculosamente reconvertido em plástico novo algures numa fábrica mágica, para o usarmos novamente e mais uma vez o separarmos do outro lixo. Mas, pensando bem, é como aquele vídeo muito divertido que aparece amiúde na Internet em que se vê um tipo a esvaziar uma poça de água à pazada.
Outra maneira de nos sentirmos melhor é atirar a culpa para cima das petrolíferas que fabricam o veneno, os fabricantes de embalagens que só pensam em ganhar dinheiro e os lojistas que só querem despachar a mercadoria depressa. Houve uma jornalista inglesa que tentou não usar plástico nenhum durante um ano e sabem o que aconteceu? Não conseguiu.
Conhecem a história dos primitivos habitantes da Ilha de Páscoa que destruíram toda a floresta para construir tótens a pedir aos deuses que lhes dessem mais floresta? O mundo não é mais do que uma Ilha de Páscoa à escala planetária.
E agora, que lhes contei a inexorável verdade, vou dar uma volta com os ténis reciclados e beber uma Luso fresquinha.
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