À medida que a praxe construiu a sua hegemonia no meio académico, a discussão sobre a democracia e os modelos de integração foi-se esvaziando. Esta lógica deve ser combatida. E combater não significa proibir. Uma Escola Pública mais democrática é uma escola mais inclusiva e sem preconceito social. A praxe representa hoje um mecanismo distorcido de integração a partir da exclusão.
Numa visão integradora das realidades plurais do Ensino Superior e, ao mesmo tempo, plural na integração que oferece a quem chega a esta nova etapa da sua vida, não pode haver espaço para segregação, exclusão e conservadorismo. A entrada no Ensino Superior não pode significar a impressão de uma visão mais fechada da Democracia, da vida em comunidade, da construção de um muro entre a realidade social e o espaço onde temos aulas. A luta por um Movimento Estudantil reivindicativo não pode ser conivente com esta visão. A disseminação de um espírito de luta em defesa da Democracia passa, naturalmente, pela fomentação de uma vivência democrática, solidária e horizontal entre os próprios estudantes, tudo ideias com as quais a praxe convive mal. Creio que o problema da praxe vai para além de um debate sobre as boas intenções que cada praxista apresenta ou não apresenta.
Entre o forte e o fraco, é a liberdade que oprime e a lei que liberta. Se é verdade que, em última instância só vai quem quer, também é verdade que a pressão social criada à volta do caloiro que recusa participar na praxe é de tal ordem que, em parte dos estabelecimentos de ensino superior, são vários os casos de estudantes com problemas de integração social – curiosamente, nos locais onde a praxe tem mais peso, são também os locais onde os que ficam de fora são sempre mais reprimidos. Quando falamos em receção estamos a dirigir-nos para todos os estudantes sem exceção.
Existe vida para além da praxe?
Sim. Existem alternativas. Esta integração alternativa deve contar com todas as forças vivas da academia, desde cientistas a movimentos de estudantes, clubes académicos e associações. É bom sentir que o debate que o Bloco sempre quis fazer (dentro e fora do Parlamento) e a Carta Aberta em Defesa de uma Integração Alternativa que juntou mais de 100 personalidades começa agora a ganhar corpo.
O próprio movimento estudantil tem vindo a criar esses espaços alternativos. Em Coimbra, o coletivo Criatividade junta dezenas de ativistas que preparam uma semana de receção alternativa às tradicionais boas-vindas praxísticas. Desde concertos a debates sobre o estado do ensino superior, os espaços informais que aqui são ensaiados fazem o seu caminho. Em Lisboa, o Alternativa segue passos idênticos e no Porto conhecem-se já algumas Associações de Estudantes que constroem receções que se distanciam das lógicas segregadoras da praxe.
Acima de tudo e, para concluir, o problema da praxe, na verdade, não começa nem termina na sua prática. A praxe, mais do que um ritual ou uma «tradição», é uma forma de encarar a vida. E, a meu ver, o mundo que idealizo e quero construir é num futuro onde não existe humilhação, onde possamos questionar abertamente as ordens que nos dão, onde existem mecanismos para nos defendermos dos abusos que as estruturas hierárquicas praticam sobre nós todos. Combater a lógica da praxe é, já por si, imaginar um mundo diferente.
Luís Monteiro é deputado à Assembleia da República pelo Bloco de Esquerda e frequenta o Mestrado em Museologia. Subscreveu a Carta aberta a todas as instituições de ensino onde são sugeridas alternativas à praxe.
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