A União Europeia tem 24 línguas oficiais — parecem muitas, mas são apenas uma parcela das línguas realmente faladas pelos europeus.
Enfim, concentremo-nos, por agora, nesses 24 idiomas. Estão escondidos nos nossos bolsos. Quer ver?
Pegue numa nota de 50 euros — as notas de 5, 10 ou 20 também servem, embora falte lá pelo meio uma das línguas. Agora, olhe para aquela linha, à esquerda, onde está uma série de 10 siglas.
Como é possível representar 24 línguas com 10 siglas? Enfim: temos de as enfiar em cima umas das outras...
Vá pelos seus dedos e comece na primeira sigla:
- BCE
Logo ali no primeiro lugar, temos a nossa língua! «Banco Central Europeu». Enfim, na verdade o português está em primeiro lugar a reboque do francês. Explico: a ordem das siglas segue a ordem alfabética dos países na sua língua oficial. Ora, o primeiro país é a Bélgica.
Temos logo um problema, pois a Bélgica tem duas línguas principais: o francês e o neerlandês. Enfim, de alguma maneira as duas línguas foram ordenadas e o francês ficou em primeiro lugar.
A reboque do francês, e porque mais de 1500 anos de separação ainda nos deixaram as línguas bem próximas, as línguas latinas ficam todas representadas por esta primeira sigla. O francês, mas também o castelhano, o português, o italiano, o romeno (e porque não o catalão, o galego e mais umas quantas línguas latinas escondidas nos países da Europa)?
Ah! Surpresa das surpresas: o irlandês, uma língua muito pouco latina, também fica compactada no primeiro «BCE». Nessa língua, o nome do banco é «Banc Ceannais Eorpach». É, das línguas oficiais da União, uma das menos faladas. No entanto, na Irlanda, é oficialmente superior ao inglês — tanto que o título usado pelo primeiro-ministro do país é em irlandês, mesmo em textos ingleses: «Taoiseach».
- ECB
Ora, como o primeiro país da lista alfabética é a Bélgica, a segunda sigla será ainda a sigla numa das línguas principais desse país. Assim, temos o neerlandês: «Europese Centrale Bank».
As famílias linguísticas são muito unidas, já se viu. Aqui temos representadas as línguas germânicas da União: o neerlandês, o inglês, o dinamarquês e o sueco. Por arrasto, também aqui ficam guardadas algumas línguas eslavas (o checo, o esloveno e o eslovaco) e ainda o letão e o lituano.
Disse «línguas germânicas»? Bem, nem todas: o alemão, por exemplo, ainda não apareceu...
- ЕЦБ
A terceira sigla apresenta-nos outro alfabeto: o cirílico. A segunda letra é, habitualmente, transliterada como «c» e a última como «b». No nosso alfabeto, esta sigla seria «ECB».
- EZB
O inglês é a língua estrangeira mais aprendida na Europa, mas a língua materna mais comum é mesmo o alemão. Pois bem, esta sigla de três letras representa duas palavras: «Europäische Zentralbank».
- EKP
Até agora, as siglas representam várias línguas de famílias (as línguas latinas, as línguas germânicas, as línguas eslavas) — ora, todas estas famílias fazem parte da grande família indo-europeia. Todas têm origem numa língua falada há uns 5000 anos — língua que hoje chamamos proto-indo-europeu.
Pois bem: há algumas línguas europeias que não têm origem nessa língua. Duas delas são o finlandês e o estónio. São línguas isoladas dos vizinhos, mas bem próximas uma da outra.
Em finlandês, o banco chama-se «Euroopan keskuspankki» e em estónio «Euroopa Keskpank».
- ΕΚΤ
Sei que não parece, mas esta sigla está noutro alfabeto: o grego. O nome do banco nessa língua é «Ευρωπαϊκή Κεντρική Τράπεζα».
Não será fácil ler para quem não conhece. A transliteração é algo como «Evropaïkí Kentrikí Trápeza».
O significado é fácil de saber qual é...
- ESB
A mais recente adição às siglas do banco. Tão recente que nem aparece nas notas de 5, 10 e 20... Falo do croata, língua em que o banco tem o nome «Europska središnja bank». (Note-se, já agora, que algumas línguas exigem maiúsculas nas várias palavras do nome, enquanto outras preferem reservar a maiúscula para o primeiro nome. As siglas, essas, são sempre em maiúsculas, claro.)
- EKB
Não é só o finlandês e o estónio que são línguas não-indo-europeias. Também o húngaro é bem distante das outras línguas do continente.
Nessa bela língua centro-europeia o nome do banco é «Európai Központi Bank».
- BĊE
Há uma ilha no Mediterrâneo onde se fala uma língua semítica, aparentada com o árabe — e com muito léxico italiano. Falo de Malta. O maltês é outra das línguas não-indo-europeias da Europa. Apesar disso, a sigla é bem parecida com a sigla das línguas latinas, mas tem ali uma pinta por cima do «C». O som desta letra pintada é «tch».
É curioso saber que a língua não tem nenhum «C» sem pinta. É estranho? Ora, nós também temos uma letra que leva sempre uma pinta, pelo menos na sua versão minúscula: o «i».
- EBC
Por fim, temos uma língua eslava que ficou com um lugar só para si. O polaco: «Europejski Bank Centralny».
São muitas línguas... E, no entanto, faltam algumas, como disse no início. Basta olhar para Espanha, onde há mais línguas oficiais para lá do castelhano.
Pois bem: o catalão e o galego ficam representados pelo primeiro «BCE». Falta uma língua. Muito antes de aparecerem os tais indo-europeus, já se falava uma língua que não está na nota, mas é europeia há milénios. Falo do basco. Em honra desse velho idioma, deixo aqui a sigla do nome do banco em certos vales dos Pirenéus: «EBZ».
Depois desta volta pelos meandros dos nossos bolsos europeus, vamos lá então votar!
Marco Neves | Escreve sobre línguas, livros e outras viagens no blogue Certas Palavras. O seu livro mais recente é Gramática para Todos — O Português na Ponta da Língua.
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