O futebol é lindo. Digo-o completamente consciente da irracionalidade da frase. Ou melhor, o que quero dizer é que o balanço geral de tudo o que envolve o futebol é positivo, mas a paixão às vezes tolda-nos e faz-nos dizer acriticamente que é tudo lindo.

Tem de facto coisas lindíssimas, mas também é um lamaçal de corrupção, violência e ódio que põem sempre o lado bom em cheque.

Isto vê-se em vários aspectos. É corrupção por todo o lado, desde as distritais até à própria FIFA. É violência física com espancamentos entre claques, ou violência psicológica, e racista neste caso, como o fazer sons de macaco para jogadores negros. São os programas de comentários aos jogos com os comentadores aos berros uns com os outros, pertíssimo de eles próprios também de partir os copos de água na cabeça dos adversários enquanto lhes enfiam os microfones na boca. Uma alegria, portanto.

Mas as coisas bonitas que tem, felizmente são muito mais. Não apagam as outras, é certo, mas ainda bem que são muitas mais. E houve duas especialmente bonitas por estes dias.

Uma delas é um vídeo cujos protagonistas são os Quaresma, pai e filho, e que é uma homenagem a protagonistas maiores, os professores. É um agradecimento a estas pessoas a quem todos nós devemos tanto, com ou sem pandemia. E é o Quaresma, depois da trivela ao outro, e entre várias outras intervenções anti-racistas, a dar uma lição de cidadania.

A outra é adesão do Rio Ave ao movimento Não Partilhes. O objectivo deste movimento é consciencializar para a urgência de se parar a partilha de conteúdo íntimo sem consentimento, com toda a gravidade que isso tem para as vítimas. O treinador Miguel Cardoso falou sobre o Não Partilhes numa conferência de imprensa e mais tarde surgiram os posts com os jogadores da equipa também a associarem-se.

Neste mundo tão masculinizado que é o futebol, é um passo importante ter um clube desta dimensão, com o seu treinador e jogadores, a dizerem que partilhar conteúdo íntimo não consentido é muito grave, não é nada à macho.

Pena que, tirando o Público, nenhum meio de comunicação social tenha noticiado isto (fiz uma pesquisa rápida e não exaustiva). Um penalty dá para hora e meia de discussão na televisão, um clube de futebol juntar-se a uma acção contra a violência de género mal é nota de rodapé. É o que temos. Mas ainda que foram duas coisas mais para juntar à lista das coisas que me fazem gostar tanto de futebol.

Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:

- Eu, Yalom: Memórias de um Psicoterapeuta: sempre bom ler Yalom.
- Fake Fame: bom doc para ver na HBO, sobre o mundo dos influencers.