2019 foi um ano de forte mobilização, ativismo e movimentos comunitários, agora quase esquecidos atrás de números, estatísticas e histórias que nos desanimam e colocam a incerteza à nossa frente. 2020 trouxe inúmeros desafios, principalmente à nossa humanidade.
A par da pandemia, continuam a existir injustiças, desigualdade e situações em que os direitos humanos não se cumprem. Continuam a existir histórias de pessoas perseguidas ou em perigo por revelarem o que alguns não querem que se saiba, por pensarem de forma diferente ou por serem quem são. E estas situações estão ainda mais escondidas, atrás do esquecimento, do medo e do desespero. Estas pessoas precisam ainda mais de proteção, pois a pandemia trouxe-lhes desafios acrescidos: em muitos casos, não estão nas suas casas, mas sim injustamente confinados em celas; em muitos casos, são obrigados a estar escondidos ou em fuga, sem possibilidade de estar com as suas famílias e redes de apoio; e muitas outras situações existem que esta crise exacerbou. A pandemia não só trouxe novos desafios de direitos humanos, mas também agravou a dificuldade de defender os direitos humanos.
É por isso que 2020 se coloca perante nós com uma questão: no meio da tempestade, como respondemos com a nossa humanidade? Saberemos olhar além, preocuparmo-nos e agir?
A Maratona de Cartas da Amnistia Internacional é um projeto que procura precisamente responder a este desafio, criando, durante os últimos meses do ano, uma mobilização a nível mundial para alguns casos selecionados que são em si importantíssimos de solucionar, mas também representativos de situações mais holísticas de abusos de direitos humanos. Durante este tempo, milhões de pessoas juntam esforços de atuação para que a mudança aconteça. Em Portugal, a atual edição concentra esforços no trabalho de ativismo e mobilização por seis casos, que vai poder conhecer no SAPO24.
Turquia, Arábia Saudita, Burundi, Colômbia, Myanmar ou Malta. Destes países chegam-nos os casos sobre os quais queremos ação e respostas das autoridades.
Comecemos por Melike Balkan e Özgür Gür, estudantes em Ancara, na Turquia, que fazem parte do Grupo de Solidariedade LGBTI+ da Universidade Técnica do Médio Oriente. Em 2019, a instituição não permitiu a organização da marcha do orgulho LGBTI+, mesmo não existindo nenhuma lei ou norma que a proibisse. Para contestar a decisão, foi organizado um protesto pacífico, que acabou com a intervenção violenta da polícia. Mais de 20 pessoas foram detidas e, agora, 18 alunos e um académico estão a ser julgados por “reunião ilegal”, incorrendo numa pena que pode ir até três anos de prisão.
Nassima al-Sada é uma das corajosas defensoras dos direitos humanos que fez campanha pela liberdade e pelos direitos das mulheres na Arábia Saudita. Em julho de 2018, foi presa e desde então é vítima de maus-tratos. Além disso, é-lhe apenas permitido um telefonema por semana para a família, mas não pode receber visitas, nem do seu próprio advogado.
Germain Rukuki, um defensor de direitos humanos no Burundi, foi injustamente condenado a 32 anos de prisão com acusações infundadas de “rebelião”, “participação em movimentos de insurreição”, “ataque à autoridade” e “ameaça à segurança do Estado”. Isto devido ao “incómodo” que o seu trabalho tem causado às autoridades.
Na Colômbia, a ativista ambiental Jani Silva continua a defender a conservação do ecossistema da Amazónia e os direitos de centenas de campesinos, apesar das ameaças de que é vítima. O trabalho de proteção da reserva de que a sua comunidade depende colocou-a em disputa contra grandes empresas petrolíferas, grupos armados e traficantes de droga. A pandemia de COVID-19 piorou ainda mais a situação, uma vez que a proteção se tornou mais limitada.
Paing Phyo Min é um jovem estudante de 22 anos, membro do Peacock Generation, um grupo de poesia satírica dedicado a Thangyat – uma forma de arte tradicional de crítica humorística de tópicos que vão da política ao comportamento social. Esta prática artística chegou a estar proibida pelos militares, entre 1998 e 2013, mas, desde então, tem sido utilizada por artistas e ativistas. Em 2019, Paing Phyo Min e outros elementos do Peacock Generation foram detidos.
Os “El Hiblu 3” são três jovens africanos que, em março de 2019, embarcaram num sobrelotado barco insuflável para poderem fugir da violência na Líbia. Juntamente com mais 108 pessoas, acabaram por ser resgatados por um navio de carga – o El Hiblu – que os tentou devolver à Líbia. Perante essa possibilidade, as pessoas entraram em desespero e o pânico instalou-se no navio. Os jovens serviram de intérpretes, procuraram acalmar a situação e defenderam o seu direito a não serem devolvidos a um país onde a guerra e a tortura são uma realidade. Conseguiram por fim convencer a tripulação a ir para Malta. Acabaram, no entanto, acusados de terem sequestrado o navio e podem ser condenados por crimes tão graves que correm o risco de passar o resto da vida na prisão.
Todos estes casos mostram como, hoje, o mundo continua a precisar da coragem de pessoas sonhadoras, irrequietas, que se envolvam, que nunca desistam e que liderem a mudança. São elas que contribuem para um mundo melhor, mais justo e mais livre. Mas são também elas que se colocam na linha da frente, e que precisam do nosso apoio, ainda que seja com gestos tão simples como dar o nosso nome e a nossa assinatura. Que em 2020 saibamos dar o nosso contributo, a nossa ação e a nossa humanidade.
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