Estava eu a pensar no que escrever na crónica de hoje, quando ficámos todos a saber o que aconteceu ao Eriksen. Não estava a ver o jogo, mas cheguei pouco depois à televisão. Não precisava de ver a repetição, mas qualquer canal a estava a dar. Consecutivamente. Mexeu muito comigo, com os amigos que estavam comigo, e acredito que com qualquer pessoa que tenha visto ou até apenas sabido do sucedido. À hora que escrevo, as boas notícias da estabilidade da saúde do Eriksen já estão por todo o lado. Que assim se mantenha e que tudo não tenha passado de um susto.
O que de certeza foi bem mais do que apenas um susto foi o declínio da sociedade do espectáculo. Na verdade, não se nos pode afigurar como uma enorme surpresa que a tragédia alheia sirva sempre para capitalizar, mas de vez em quando tenho laivos de inocência e restos de esperança na humanidade que depois me fazem ficar ligeiramente incrédulo quando estas coisas acontecem.
Os vários canais de televisão fizeram questão de passar – reitero - consecutivamente o momento em que o Eriksen cai inanimado no chão, assim como as imagens da sua mulher num pranto, desconsolada, num sofrimento cuja dimensão eu estou longíssimo de imaginar. O Correio da Manhã e o Record publicaram logo uma galeria de fotografias tanto dela como da irmã de Eriksen. Audiências, cliques e o dinheiro a entrar. Capitaliza-se a tragédia porque a ganância se sobrepõe, sem qualquer pudor, a qualquer decência, respeito ou resto de empatia pelo próximo. Devia envergonhar-nos enquanto humanidade que tenhamos chegado aqui, e nada representou tão bem o declínio desta sociedade do espectáculo, que não se furta a absolutamente oportunidade nenhuma de lucrar com a tragédia humana, que terem sido os amigos e colegas do Eriksen a formar uma barreira em volta deste para que a sua privacidade fosse preservada.
Que não esqueçamos quem toma estas decisões, quem põe sempre o dinheiro acima da condição humana. Mas mais que isso, que recordemos quem deve ser recordado. Além dos jogadores da Dinamarca, os adeptos finlandeses e dinamarqueses que se uniram a cantar pelo Eriksen, e os jogadores da Finlândia que aplaudiram a reentrada em campo dos colegas de profissão (muito mais do que adversários) aquando do reatamento do jogo.
Perante o choque da fragilidade da vida e na inevitabilidade da morte que se nos assola num momento destes, e mesmo perante a desfaçatez de quem respira ganância, é o amor uns pelos outros que nos reconforta e apazigua a incerteza da existência.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Rewriting the Rules: muito bom livro sobre sexualidade, género, monogamia e poliamor, etc
Comentários