Parece que os militantes do Chega, reunidos em Évora, no passado fim-de-semana, foram chamados a votar numa proposta que sugeria o seguinte: “Propomos que todas as mulheres que abortem no Serviço Público de Saúde, por razões que não sejam de perigo imediato para a sua saúde, cujo bebé não apresente malformações ou tenham sido vítimas de violação, devem ser retirados os ovários, como forma de retirar ao Estado o dever de matar recorrentemente portugueses por nascer, que não têm quem os defenda no quadro atual.”
A proposta foi chumbada com 216 votos contra e 38 a favor. Podemos ver o copo meio cheio e ver que até na Convenção do Chega se rejeitam propostas destas, ou podemos ver o copo meio vazio e ver que havia nesta reunião 38 energúmenos, pelo menos. Ainda podemos ver o copo do avesso e pensar que a proposta só foi chumbada porque os outros 216 queriam que se retirassem os ovários mesmo em situações de violação ou de perigo imediato para a saúde ou, até, que se devia aplicar a proposta além do SNS para não discriminar os ricos que abortam no privado. Nunca saberemos.
Não é que a proposta seja má, mas é um bocado feita em cima do joelho e tem buracos. Primeiro, note-se que pode ser interpretada como xenófoba porque só têm problemas se o Estado matar portugueses por nascer. Sendo que o Chega não acredita que quem nasça em Portugal seja automaticamente português, está nas entrelinhas que não se importam que o Estado mate outras nacionalidades por nascer. Feto estrangeiro é para matar sem qualquer problema. Segundo, por este prisma de matar vidas antes de nascerem, por quê a discriminação contra os fetos deficientes? Não são uma vida, também? Não foram feitos por Deus? O corpo e o cérebro podem ser meio bilús e babarem-se, mas a alma é como as outras. Deus não faz almas mongoloides.
Depois, quem é que iria pagar a histerectomia? O Estado? Era o que faltava, mais peso para o contribuinte. Sendo que a maioria das mulheres que aborta não o volta a fazer, o Estado iria gastar mais dinheiro em remoção de ovários do que em abortos que, parecendo que não, na maioria dos casos até é um procedimento mais simples que a histerectomia. Eu cá não quero que os meus impostos sejam usados para retirar ovários de mulheres, só quero que sejam usados para matar bebés pequeninos com alma, vulgo fetos. A proposta, sendo boa, precisa de ser mais bem trabalhada para que ainda possa ser aprovada no futuro. Deixo algumas adendas:
- Fazer uma vasectomia a todos os homens que obriguem mulheres a abortar;
- Capar todos os homens que dizem que tiram, mas depois não vão a tempo e dão origem a gravidezes indesejadas;
- Acho que devia ser aplicado o mesmo princípio a uma mulher que aborte espontaneamente. Assim, Deus não tinha de perder tempo a reciclar almas por causa de uma mulher que não tem capacidade de aguentar nove meses com o alien no bucho.
- Podia sugerir que se retirassem os tomates aos homens que votaram a favor desta proposta, mas calculo que já não os tenham. A terem, devem ser duas bagas de goji, e daí o facto de odiarem mulheres porque nunca tiveram coragem de se despir à frente delas.
Assim já fazia mais sentido, penso eu. Bem, mas o Rui Roque, ex-membro do PNR, agora militante do Chega, que fez esta proposta, não tem inteligência para elaborar algo com tanta atenção ao detalhe e à prova de bala. Ele saber o que são ovários até me admira, porque olhando para ele percebe-se que de anatomia feminina sexual e reprodutiva não deve saber muito. Por isso, ter sido uma remoção de ovários e não ter proposto o uso de um cinto de castidade ou fechar o problema com cola de contacto, já é uma sorte, vindo de quem vem.
Eu gostei tanto da proposta que até acho que este tipo de lógica se podia adaptar a outras áreas da sociedade:
- Quem tiver mais do que uma rotura de ligamentos a jogar à bola, devem amputar-se a perna que o SNS não tem de ter a obrigação de arranjar joelhos bambos de pseudo jogadores de futebol de fim-de-semana.
- Quem é preso deve ser fuzilado porque o Estado não tem de andar a gastar dinheiro em prisões, tribunais e reabilitação. É cortar logo pela raiz.
- Se vais a Fátima pedir um milagre e esse milagre não acontece, cortam-te os pezinhos que é para na próxima ires de joelho que Nossa Senhora não tem de andar a perder tempo a ouvir pedidos de gente que não se sacrifica como deve ser.
- Deputado que seja apanhado a mentir, não podia voltar a candidatar-se porque o Estado não tem de andar a sustentar aldrabões, já basta sustentar chulos. Ah, e capava-se também, só porque sim, para desmotivar a prática da trafulhice política.
Pois, esta até fazia sentido, mas não dá jeito a ninguém. Bem, tudo isto é apenas mais um caso em que os anti-aborto ou também conhecidos por “anti-mulheres-terem-poder-sobre-o-seu-corpo” a dar o tudo por tudo. Não conseguiram com a Igreja, não conseguiram com a criminalização, agora tentam com a ameaça de remover ovários. Reparem que nem é uma laqueação temporária das trompas, é logo pena perpétua. Isto vindo de um militante que se diz pró-vida, a negar a capacidade de a gerar a mulheres que podem ter tido um acidente ou um descuido de que ninguém está livre, a não ser que não façam sexo. Ah, espera, se calhar é isso que está na génese de todo este fetiche de controlar a capacidade de procriar das mulheres. É a abstinência forçada.
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