Estamos cansados, exaustos, ansiosos, angustiados. Quase todos estamos assim. Em graus diferentes, bem certo, mas estamos. Dos profissionais de saúde ao governo, dos artistas aos empresários, dos pais aos filhos, dos novos aos velhos. Vamos quase com um ano de pandemia em Portugal. E sabemos como os hospitais estão um caos, morrem 300 pessoas por dia, e andamos tantos de nós com o coração nas mãos, tanto pela doença como pela situação económica. Agarramo-nos ao que podemos para manter o optimismo, lutamos para manter a cabeça erguida e um resto de ânimo para aguentar mais uns meses. Não é fácil, mas cá se vai andando com a cabeça entre as orelhas.
Só que depois, entre médicos e enfermeiros exaustos, ou nós fechados em casa a lidar com a nuvem cinzenta que nos sobrevoa a cabeça, pegamos no telemóvel ou ligamos a TV e vemos outras coisas. Vemos imagens de festas com dezenas de pessoas. Quase todos os dias aparecem imagens de festas, algures em Portugal, de 20, 30 ou mais pessoas a cantar e dançar tão embebidos em alegria como egoisticamente alienados da realidade. Não é só o perigo de contágio que pode haver em grupos deste tamanho, é a emoção que provoca a quem vê estas imagens de pessoas que não só festejam, como fazem questão de o mostrar nas redes sociais. Quase toda a gente a fazer sacrifícios profissionais, sociais, económicos, familiares e até de saúde, com todos os custos que estes têm, incluindo na saúde mental. Mas outros, sentindo-se acima do resto, vivem a vida como se a pandemia não existisse. Como se não quiséssemos todos estar assim.
Por outro lado, e não melhor, há as vacinas. Sabíamos que haver vacina não era sinónimo de acabar a pandemia de um dia para o outro, mas seria, e é, sempre o início do fim. E claro, Portugal sempre exímio na “chico-espertice” já nos presenteou com malabarismos de quem se acha mais que os outros. Tanto a autarca do PS na Câmara do Seixal ou a directora da Segurança Social de Setúbal, casos já bastante noticiados, como agora o caso de um proprietário e 11 funcionários de uma pastelaria ao lado do INEM do Porto. Eu consigo perceber que a arte da pastelaria em Portugal é de grande nível, mas será que é suficiente para esta pastelaria em específico ser mais que as outras? Ser mais do que tantos milhões de portugueses?
É capaz que estas coisas nos causem revolta, que nos aumentem a angústia e a ansiedade. Ninguém quer estar a viver isto, e muito menos quer sentir a injustiça dos sacrifícios – incluindo as mortes que se podiam evitar – que se sente ao olhar para aquelas imagens de grupos enormes a cantar “Parabéns a você”, quando para tanta gente não se está a verificar o “muitos anos de vida”.
Entre as festas e o roubo de vacinas, que continuem a ser assim se conseguirem dormir bem à noite com isso. Mas, se não for pedir muito, evitem esfregar na cara de todos os outros.
Sugestões mais ou menos culturais que, no caso de não valerem a pena, vos permitem vir insultar-me e cobrar-me uma jola:
- Hitler, a Career: Netflix.
- Billions: HBO.
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