O labirinto político em que Espanha ficou metida após as eleições de 23 de julho tem duas saídas: ou novas eleições ou negociação de um acordo que terá de implicar a profunda reorganização do país e que faça de Espanha a casa comum das diferentes nações do Reino de Espanha.
Um pacto assim é o que os nacionalistas e independentistas estão a exigir a Pedro Sánchez para viabilizarem o governo que o líder socialista aspira voltar a formar.
O PP, de Alberto Feijóo, o mais votado nas eleições (vitória larga, mesmo assim insuficiente), não entra no campo desta negociação por haver incompatibilidade logo na origem entre as exigências de populares e as do grupo nacionalista e independentista.
Sánchez tem no apoio de bascos e catalães a única hipótese de manter a presidência do governo. Essa necessidade surge como um impulso para que o líder socialista ouse explorar esse muito complexo pacto de concórdia - que é uma oportunidade para que as diferentes nações de Espanha, designadamente a basca e a catalã saiam do conflito permanente com o que consideram ser o autoritarismo de Madrid.
O pacto da concórdia?
O líder socialista tem o crédito de sempre ter reconhecido a existência da questão nacionalista. Sánchez conseguiu reverter as consequências judiciais da séria crise catalã de 2017, através da criação de bases de entendimento com as principais forças políticas da Catalunha. Foi uma negociação que permitiu superar a alta tensão instalada no tempo do governo PP de Rajoy, quando prevaleceu a intransigência de Madrid que entregou à justiça a gestão do conflito que é político.
A justiça espanhola agiu com grande dureza e decidiu condenações pesadas aos independentistas. Resultou que por toda a Catalunha, mesmo a que não é independentista, tenha crescido ressentimento e hostilidade ao poder político e judicial de Madrid.
A questão catalã tem estado adormecida nestes últimos cinco anos, através da negociação com o governo Sánchez – que teve a sobrevivência política sempre dependente, entre outros, dos independentistas catalães. Se houvesse investidura de um governo de Feijóo exposto às exigências do VOX, que quer cortar a autonomia das comunidades, o conflito voltaria certamente a entrar em erupção.
A realidade espanhola está condicionada pelo confronto entre a conceção uninacional e a plurinacional de Espanha. Há descentralização orçamental e de competências, mas a constituição espanhola não reconhece a plurinacionalidade que, no entanto, na prática existe e com afirmação muito forte – o Tour deste ano teve as duas primeiras etapas em território basco; foi uma ocasião para afirmação do nacionalismo basco através das bandeiras bascas empunhadas por quem encheu de vibração o percurso dos ciclistas em modo que submergiu o pelotão.
As direitas de Espanha são intransigentes da defesa do estado uninacional – que o VOX quer centralista.
As forças à esquerda do PSOE, representadas pelo Sumar, defendem o modelo plurinacional.
No PSOE é notória a ambiguidade que decorre de diferentes visões no partido que, oficialmente, reconhece a Espanha “plural e diversa” mas sem ousar dar o passo para a Espanha plurinacional.
As circunstâncias decorrentes do resultado das eleições de 23 de julho vão muito provavelmente levar Pedro Sánchez à audácia de começar a negociar esse pacto de concórdia integrador das diferentes nações no reino de Espanha.
"Uma ampla maioria social"
É, para Sánchez, um desafio muito arriscado. Qualquer aliança com partidos nacionalistas representa, para as direitas espanholistas, uma ameaça ao futuro de Espanha. Por isso, o líder socialista vai ficar sob fogo político intenso. O combate vai ser duro.
Pedro Sánchez, após uma semana quase em silêncio, declarou nesta segunda-feira estar “convencido de que existe uma ampla maioria social para continuar a avançar”. Ao acrescentar que “é o momento para reconstruir a coesão política, social e territorial” fica implícito que o líder do PSOE vai mesmo tentar esse pacto de concórdia.
Ao reino de Espanha tem faltado saber unir-se para se reencontrar. Tem faltado, a partir da política, a visão que permita bases políticas para concórdia.
A simples referência a um pacto de concórdia envolvendo o nacionalismo basco e o catalão vai, evidentemente, gerar muita discórdia. O nacionalismo da Espanha castelhana não suporta imaginar os nacionalismos basco e catalão a ganhar estatuto de igual dentro do Reino de Espanha. Mas essa transformação pode ser uma via para a Espanha ficar mais forte ao passar das tensões da discórdia contínua para um pacto de coexistência em concórdia.
O que está em causa é muito mais do que sair do labirinto político que resultou das eleições. Trata-se de procurar uma visão de concórdia para o futuro e evitar novas altas tensões como a da Catalunha em 2017.
Nas vésperas das eleições de 23 de julho, muita gente estava convencida que a Espanha ia virar à direita, com o PP hegemónico e o VOX a entrar no poder. Mas as direitas não corresponderam nas urnas às elevadíssimas expectativas geradas entre os seus. O bloco das direitas soma 171 deputados e o que se define progressista tem os mesmos 171.
Também estão eleitos sete deputados do Junts per Catalunya e uma da Coalición Canaria, por agora fora de qualquer dos dois grandes blocos.
O parlamento de Espanha saiu das eleições refém de maiorias de bloqueio.
Qualquer proposta de governo PP+VOX é rejeitada pela maioria tangencial das esquerdas com nacionalistas e independentistas. É a maioria que em 2 de junho de 2018 derrubou o governo PP de Mariano Rajoy e instalou o governo das esquerdas presidido por Pedro Sánchez.
A Espanha espanholista versus a Espanha plurinacional
Haver ou não maioria para governar depende dos sete deputados do Junts per Catalunya, o partido tenazmente independentista, do expatriado Carles Puigdemont, que a justiça espanhola declara fugitivo na Bélgica e que para os independentistas é um exilado. Puigdemont, vai começar por fazer preço alto: quer que o acordo assinado inclua amnistia para os independentistas catalães (há várias dezenas de processados) e quer a autodeterminação com um referendo a decidir o futuro da Catalunha.
É sabido que Sánchez em nenhuma circunstância aceitará o referendo. Mas, depois de já ter viabilizado os indultos, pode agora negociar a amnistia. O pacote pode incluir a proposta de início de negociações entre todas as forças políticas plurais para o pacto de concórdia entre as diferentes comunidades de Espanha.
O resultado destas eleições implica negociações que podem ser uma oportunidade para ser tentado um audaz e por isso mesmo controverso pacto de concórdia entre as diferentes nações no reino de Espanha. Mas, com o risco de ser dificilmente tolerado pela Espanha mais espanholista que recusa a Espanha plurinacional.
Comentários