Javier Milei, com 54 anos, teve uma carreira anódina como economista até ser eleito para o Parlamento. em 2021, com a popularidade obtida em debates na televisão. Os seus comentários tinham uma retórica muito agressiva contra o que considerava ser a “casta corrupta” - políticos, sindicatos, académicos e jornalistas.

Alem da verborreia violenta, distinguia-se pela sua aparência. O cabelo desgranhado, tipo Boris Johnson, mas escuro como Carles Puigdemont, grandes patilhas, rosto quadrado e a expressão de Malcolm McDowell no filme “Laranja Mecânica”, ao mesmo tempo diabólica e divertida. Chamam-no “Enlouquecido” e “Gadelhudo”. Segundo um deputado do seu partido, Milei é o cruzamento de Elvis Presley com Wolverine.

Milei etiqueta-se a si próprio como “capitalista anarquista” e é impossível localizar as suas decisões na dicotomia tradicional de esquerda e de direita. (Vem a propósito o conto de Fernando Pessoa de 1922, “O Banqueiro Anarquista”) onde fui buscar o título para este artigo.) Tem confraternizado com os políticos internacionais de direita, ou mesmo extrema-direita, como Trump, Orbán e Bolsonaro. É apoiante do Vox espanhol e do AfD alemão. Contudo, neste primeiro ano tem governado dentro das normas democráticas da Constituição e não se meteu nos golpes típicos dos outros governantes autocráticos, como impor-se ao poder judicial ou calar a imprensa.

O programa económico é capitalista, seguindo a escola ultra-liberal de Friedrich Hayek, mas é na área social/cultural que Milei tem feito as afirmações mais estravagantes: é contra o aborto, inclusive em casos de violação, contra a inclusão e a educação sexual nas escolas, permite a venda livre de armas à população civil, é a favor do comércio de órgãos e nega o aquecimento global. Segue as mesmas teorias da conspiração das extremas direitas contra o “marxismo cultural”.

Quando ganhou as eleições presidenciais, com uma campanha frenética em que empunhava uma moto-serra (para cortar os excessos do aparelho de Estado) os argentinos estavam desesperados: a inflação andava nos 200% ao ano e 40% da população vivia abaixo do nível de pobreza.

Uma frase da campanha dá bem a ideia do seu estilo: “O Estado é como um pedófilo numa creche, com as crianças acorrentadas e untadas com vaselina.”

Entrincheirou-se na Casa Rosada, com as janelas sempre cobertas por cortinados espessos, porque trabalha dia e noite. Fora as necessidades do cargo, sai uma vez por semana para passear os “filhos de quatro patas”, quatro mastins chamados Murrey (de Murrey Rothbard), Milton (de Milton Friedman) Robert e Lucas (de Robert Lucas ) Foram todos clonados nos Estados Unidos a partir do original, Conan (de Conan, o Bárbaro) que morreu em 2017. Mas, para Milei, Conan ainda está vivo algures e comunica-se com ele por telepatia.

A economia argentina sempre esteve dependente da agricultura e da pecuária, setores sujeitos a grandes flutuações. O seu desenvolvimento ficou em suspenso durante os vários governos militares, incluindo o período entre 1976 e 1983 em que esquadrões da morte foram responsáveis pela tortura e morte de milhares de esquerdistas.

Contudo, Milei considera que as principais causas do estado insolvente do país são a governação incompetente e corrupta e as políticas “comunizantes” do peronismo, um movimento populista que ainda tem força 50 anos depois da deposição de Peron.

Com toda esta conversa de anarquia, Milei tem governado o menos anarquicamente possível. Eliminou dez ministérios (de 18 para oito) e cortou as verbas dos serviços públicos, mandou parar todas as empreitadas de infraestrutura, parou as transferências para os governos das províncias, e recusou aumentos das pensões (contra a vontade do Parlamento) e dos salários. Se, por um lado, tem “secado” os custos do aparelho de Estado, por outro lado também tem imposto uma dieta monetária à população. Ao fim de um ano, os resultados são visíveis: redução de 30% nas despesas públicas e a inflação mensal passou de 13% para 3%.

Na esfera internacional, Milei também tem sido pouco ortodoxo. Encontrou-se com Trump, um ídolo, e com Xi Jinping, um ódio antigo - mas conseguiu estabelecer boas relações comerciais com Pequim. Até com Lula, que antigamente considerava um “comunista corrupto”, está disposto a fazer negócio.

O facto é que, ao fim de um ano de governação surreal, Milei parece bem encaminhado para tirar a Argentina da falência das últimas décadas. O câmbio com o dólar estabilizou e a dívida externa colossal (28 mil milhões de dólares) parou de crescer.

O próximo ano será decisivo para ver se todas as contradições e excentricidades de Milei funcionam. Talvez o capitalismo anarquista passe a ser uma teoria económica válida!