Quando alguém se refere a estes momentos de partilha e entreajuda, ouço muitas vezes a expressão “também faço um pouco de psicólogo”. Já ouvi esta expressão também em cabeleireiros, ginásios e cafés, locais que potenciam a partilha por parte dos clientes de acontecimentos da sua vida enquanto cortam o seu cabelo ou têm uma sessão de exercício com o seu personal trainer. É natural que as pessoas se considerem um pouco psicólogas nestes momentos em que ouvem o desabafo do outro ou experienciam a ventilação das suas emoções. E isso está muitas vezes associado à crença errada de que se vai ao psicólogo para desabafar ou para ouvir conselhos.
Não quer com isto dizer que estes momentos de partilha com os nossos amigos ou conhecidos não são relevantes. Pelo contrário, as relações sociais que estabelecemos com o outro são muito importantes para o nosso bem-estar e podem ser ótimos aliados à minimização do sofrimento e à prevenção de doenças. Quando estamos com o outro produzimos oxitocina, que é uma hormona que permite o apego ao outro e a empatia, o que permite vivermos em sociedade.
Parece-me então oportuno clarificar porque é que os nossos amigos, familiares ou cabeleireiros não são os nossos psicólogos. Em primeiro lugar, importa esclarecer que não se vai ao psicólogo ouvir conselhos nem (só) desabafar. Mas, afinal, o que faz o psicólogo?
A psicologia é uma ciência que se encarrega do estudo da mente e do comportamento humano. Em Portugal, para se exercer psicologia é necessário ter-se terminado a licenciatura e o mestrado na área (cinco anos de formação) e estar inscrito na Ordem dos Psicólogos Portugueses, tendo completado um ano de estágio profissional. Dentro da psicologia, há várias áreas de intervenção como a Psicologia Clínica, da Educação, das Organizações, entre outras. Mas foquemo-nos na clínica, que é sobre ela que estou a incidir neste artigo.
Com base no conhecimento científico de vários modelos de intervenção, o papel do psicólogo clínico reside em, através da palavra e da relação de ajuda, ajudar a minimizar o sofrimento da pessoa promovendo a mudança. De forma resumida, o profissional ajuda o outro a:
1. ter consciência da sua experiência e dos seus modos de funcionamento interno;
2. construir novos significados relativos à sua experiência, reconhecendo padrões no seu modo de funcionamento e à luz da sua história de vida;
3. regular a sua responsabilidade no seu autocuidado;
4. implementar ações reparadoras fazendo escolhas que lhe permitam viver em congruência com a sua identidade.
Tal só é possível se estiver assente numa relação intencional, mas genuína e segura, estabelecida entre o psicólogo (alguém imparcial) e o cliente. A relação terapêutica é responsável por 30% da mudança no cliente, uma vez que se pretende que seja uma relação reparadora onde, através dela, o cliente aprende formas mais seguras de se relacionar com o outro e consigo mesmo.
Com esta definição, não posso deixar de distinguir psicologia de outras formas pseudocientíficas de “cura”. Alguns exemplos são a astrologia, as constelações familiares, os life coaches, ou simplesmente os “terapeutas”. Estes serviços são fornecidos por gurus de autoajuda que pretendem ajudar o outro no seu processo de cura através da atribuição de significados às suas relações e personalidade com base na premissa que defendem ou nas suas experiências pessoais. Tais métodos não são científicos nem comprovados.
Com isto não quero impedir a pessoa a pedir a ajuda de quem sentir precisar. Quero sim clarificar o que é científico do que não o é, bem como clarificar as nomenclaturas. Podemos e devemos partilhar o que sentimos com as pessoas que quisermos e sentimos proximidade. Podemos encontrar até um significado para o nosso sofrimento com os nossos amigos, na espiritualidade ou na mitologia. E não há nada de errado com isso. Costumo dizer aos meus clientes que podem procurar apoio no que quer que funcione (e seja saudável) na minimização do seu sofrimento. Isso só não quer dizer que esse apoio seja uma prática cientificamente comprovada. Isso só quer dizer que os psicólogos são psicólogos, os cabeleireiros são cabeleireiros e os amigos são amigos.
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